quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

PRÊMIO POLEGAR PARA BAIXO 2015

O PRÊMIO

de 2015 vai para...

GERAÇÃO DE 1970 ou Mimeógrafo no Piauí,
que insiste em ser politicamente miserável!!!

PRÊMIO POLEGAR PARA CIMA 2015

O PRÊMIO

deste 2015 que se encerra vai para...

DVD VALIDUATÉ AO VIVO, prova de a Fazenda Piauí pode respirar!!!

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

NO CORAÇÃO DA NOITE ESTRELADA, DE ROGÉRIO NEWTON: ENFIM, O ROMANCE DA GERAÇÃO DE 1970 NO PIAUÍ


Airton Sampaio

Será lançado no sábado, 12/12/2015, na Livraria Nova Aliança, às 10 horas, o livro No Coração da Noite Estrelada, de Rogério Newton (Teresina: Nova Aliança, 2015).

Trata-se do romance que a Geração de 1970 no Piauí, hoje já tão distanciada do seu ideário antiacadêmico e embora ainda perturbada por uma ideologia política que a história mostrou ser muito mais distopia que utopia,a Geração de 1970 no Piauí agora tem o seu romance, fruto do talento de Rogério Newton. É claro que existiram outras tentativas romanescas na Geração, mas sem a qualidade literária desse No Coração da Noite Estrelada (confesso que preferia o título Doido Pra Nascer, por ser incomum e dizer mais da personagem central da narrativa: um jornal mimeografado, comum na década de 70 como um drible inventivo na censura que se instalara na imprensa convencional). Ademais, penso que No Ventre da Noite cairia melhor no título, já que a palavra “coração” e a expressão “noite estrelada” foram profundamente desgastadas por um romantismo piegas e diluidor do verdadeiro romantismo.

Não, o romance de Rogério Newton não é piegas, e ao fim da narrativa saímos co-movidos pela capacidade de um jornalzinho artesanal reunir em torno de sua feitura jovens inquietos com a situação do país, apesar de dominados por uma utopia escandida por raposas oportunistas de uma hoje desmascarada esquerda, especialista em maus-feitos. No romance também avulta, com beleza ímpar, a cidade de Oeiras, a quem Rogério sempre presta homenagens para além da mera laudação.
Veem-se nessa não longa narrativa épica jovens universitários empenhados, na época, em ultrapassar a baixa politicagem municipal e que aproveitam o recesso de uma das muitas greves do período para tentar construir uma saída ao impasse em que, em 1964, irresponsáveis de direita e de esquerda arremessaram o Brasil. Pode ser que alguém veja, mas eu não vi, e nisso pressinto um ponto alto do romance, não vi a cantilena sacralizadora de quem sempre primariamente dividiu o mundo entre maus (militares) e bons (comunistas), uma régua ridícula que tem como uma de suas conseqüências mais nefastas admitir que, dependendo do lado de quem o pratica, nojeiras como o fuzilamento de adversários sejam, por exemplo, defensáveis.

Rogério Newton escreveu esse romance (a miniepopeia da criação de um jornalzinho mimeogrado no sertão do Piauí) com o coração sem, porém, abrir mão das sinapses cerebrais, como provam as descrições sóbrias de personagens e cenários e boa tessitura das cenas:
“Dolores fez uma careta ao ver o filho com ânsias de vômito. O corpo magro, o riso de eterna mofa, a irresistível atração pelo álcool. Graças a Deus, era inteligente e sempre foi bom aluno, embora se metesse em toda sorte de danações. Ele sorriu, tranqüilizando-a; ela saiu para a cozinha, preparar-lhe um caldo.”
”Desde que , ao voltar de uma vaquejada na Colônia, perdera o marido em acidente que comoveu a cidade, Dolores sofreu agruras para criar os três filhos. Dinheiro curto. Meninos doentes com freqüência. Francisco, assombrado, acordava no meio da noite, o corpo enrolado por serpentes, as paredes da casa rachando de alto a baixo. A mãe venceu todos os reveses  e manteve-se firme dentro de sua tristeza digna. Encontrou refúgio na Irmandade do Coração de Jesus. Adquiriu forças ao usar a fita vermelha. Pediu a Deus para nenhum dos filhos se influenciarem pela trajetória dos primos, que se meteram na política. Um deles, preso no Congresso de Ibiúna, ainda hoje estava fora do País. Temia mais por Francisco...(Rogério Newton, NCNE, VIII, p. 49-50).
Sim, a Geração de 1970 no Piauí tem, agora e enfim, o seu romance!!! Obrigado, Rogério Newton.
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Airton Sampaio é escritor (contista do grupo Tarântula) e professor na UFPI, email: airtonsa@hotmail.com.
Fonte: Diário do povo do Piauí, Cultura, Crítica, Teresina, 10 dez. 2015, p. 18. 

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Literatura Brasileira de Autores Piauienses: uma definição necessária

Airton Sampaio

Admito que por longo tempo utilizei, equivocadamente, as denominações Literatura Brasileira de Expressão Piauiense e Geração Pós-69. Hoje, tenho como adequadas as nominações GERAÇÃO DE 1970, esta assim corretamente chamada por José Pereira Bezerra e Adrião Neto, e LITERATURA BRASILEIRA DE AUTORES PIAUIENSES, esta acertadamente assim designada no currículo do Curso de Letras da Universidade Federal do Piauí como Literatura Nacional: Autores Piauienses. É que enfim me dei conta da impossibilidade de definir-se o que seja “expressão piauiense” (livros como o interessante Grande Enciclopédia Internacional de Piauiês, de Paulo José Cunha, podem até ser alardeados nesse sentido, jamais porém servirão a isso) e, ao contrário, consciência também tomei da plausabilidade de se dizer, de modo não raro objetivo, o que é um Autor Piauiense (o que, no caso de naturalidade, por exemplo, é de uma obviedade ululante).
            
((A denominação Geração Pós-69 só tinha algum significado para se dizer, ainda que não adequadamente, de um conjunto de atores culturais impactados principalmente por dois profundos eventos históricos: a chegada do homem à Lua, em 20 de julho de 1968, responsável pela mudança de muitos paradigmas, e a edição, pelo governo militar, do AI-5, em 13 de dezembro do mesmo ano, início formal, que fato já o era, da hiper-repressão política no Brasil, consolidadora da escuridão antidemocrática que desde 1964 grassava neste ainda hoje “país do futuro”. No entanto, como uma crítica ácida que foi, no plano estético, do academicismo, na dimensão comportamental, da caretice, e na esfera política, de todos os governos, a Geração Pós-69 só poderia ainda assim ser chamada, com certa condescendência, em razão de sua fundamental atitude comportamental freqüentemente anárquica, de sua histórica contestação às Academias de Letras (no Piauí, Alcenor Candeira Filho desferiu-lhe um covarde primeiro golpe ao entrar para a APL, deslumbrado com a “imortalidade” por ela “conferida”) e às suas diatribes à ditadura militar e demais governos civis a ela sucedâneos (Sarney, Itamar, Collor, FHC) se não tivesse caído, como vergonhosamente caiu (eis o segundo não menos covarde golpe), nos braços nada éticos e pouco realizadores dos governos do PT de Lula lá e W. Dias cá, cujos projetos de perpetuação no poder, a fim de exercer o poder pelo poder, baseiam-se em ações eleitoreiro-assistencialistas (Fome Zero, Bolsa-Família, etc) raivosamente atacadas pelo petismo quando pelos outros praticadas.))

Literatura Brasileira de Autores Piauienses? Ora, LITERATURA BRASILEIRA DE AUTORES PIAUIENSES é um conjunto assistêmico (no plano local, as estéticas clássica, barroca e árcade, no século 19) e sistêmico (idem, as estéticas romântica, realista/naturalista/parnasiana e simbolista, nos séculos 19 e 20, pré-modernista e modernista, no 20 e 21, e pós-moderna, no 21) de obras eminentemente literárias cujos autores exibem o(s) vínculo(s) de NATURALIDADE (por exemplo, Permínio Asfora, que nasceu aqui porém se radicou na Paraíba e em Pernambuco, Mario Faustino, no Pará e Rio de Janeiro,  Esdras do Nascimento, no Rio de Janeiro, etc), Não-naturalidade, mas MILITÂNCIA LITERÁRIA NO PIAUÍ (casos de Hardi Filho, um cearense, Rubervam du Nascimento, um maranhense, Jamerson Lemos, um pernambucano, etc) e  Não-naturalidade e não-militância literária, mas EMPATIA TEMÁTICA COM O PIAUÍ (caso de Odylo Costa, filho,um maranhense --- vide “Histórias da Beira do Rio”). Daí que a tradicional nominação Literatura Piauiense, apesar da vantagem da síntese, traz o grande demérito de descontextualizar a literatura feita no ou para o Piauí da Literatura brasileira, de que é, na verdade, uma de suas manifestações específicas, devendo, pois, ter seu uso questionado.                
            Destarte, qualquer que seja o autor de obra eminentemente literária --- assim considerada aquela que se caracteriza pela predominância da FICCIONALIDADE e ESTILIZAÇÃO DA LINGUAGEM --- que cumpra o vínculo de Naturalidade ou, mesmo não o cumprindo, faça-o em relação a um ou outro dos demais (Não-naturalidade mas Militância Literária no Piauí ou Não-naturalidade e não militância literária mas Empatia Temática com o Piauí), integra o que se pode singularmente denominar Literatura Brasileira de Autores Piauienses. Como se vê, apenas o terceiro vínculo padece de maior subjetividade avaliativa, o que não se dá com o primeiro, totalmente objetivo, nem com o segundo, pouco subjetivo.
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In: Diário do Povo do Piauí, caderno Galeria, seção Cultura. Teresina, 15 mar 2007, p. 18. 

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

PRÊMIO POLEGAR PRA CIMA ou TROFÉU CAJUÍNA 2014

Em 2014, o Prêmio 2014 vai para...

... o ÁUDIO DE ENTREVISTA DE TORQUATO NETO, a Pepita Cultural do Ano, pelo que merece uma    bem gelada o radialista gaúcho VANDERLEI MALTA DA CUNHA, que a realizou, numa noite de novembro de 1968, enquanto ocorria (ouvem-se, ao fundo, os sons vindos do palco) o IV Festival de Música Brasileira da TV Record e, 46 anos depois, localizou o rolo e, generosamente, compartilhou!!!

Ouça a voz - e as ideias avançadas - do jovem poeta em matéria do jornal O Globo

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

PRÊMIO POLEGAR PRA BAIXO ou TROFÉU LIMÃO AZEDO 2014

Em 2014, o PRÊMIO Polegar para baixo símbolovai para...

... a COPESE DA UFPI e o NUCEPE DA UESPI,

que nunca se dignaram a discutir a agregação ao ENEM da Prova de História do Piauí, Geografia do Piauí e Literatura do Piauí. Por este DESCOMPROMISSO, que se repete a cada ano, então  

20 peças / saco , sementes de limão , varanda em vaso , plantio estações, brotando de 95% ( Kaffir Lime )(China (Mainland)) bem azedo nos olhos dos seus presidentes!!!!!!!!!!!!!

sábado, 6 de dezembro de 2014

PIAUIENTIZE-SE!!!

Para  ler sobre autores piauienses visite e leia DOSSIELETRANDO!!!

segunda-feira, 9 de junho de 2014

BARBÁRIE

Airton Sampaio

Preciso urgentemente escrever um poema
Que nunca nos deixe esquecer os destroçados de Algodões
E suas desprezadas vidas destruídas num dilúvio anunciado
Nada menor que as labaredas
Que crepitaram os pobres de Teresina
Em tempos não tão de antanho.

Preciso urgentemente escrever um poema
Para dizer a essas assassinadas criaturas
Que não, nunca deviam ter confiado em governo
E que a montanha de água que sobre eles despencou terá,
Em Deus, o Vingador.

Preciso urgentemente escrever um poema
Para pedir perdão aos dizimados do tsunami
Pela falta de solidariedade
E pelo silêncio, pusilânime, dos poetas do Piauí.

(Teresina, Juno, 2014).

Vejo o vídeo: a barbárie
BARBÁRIE

Airton Sampaio

Preciso urgentemente escrever um poema
Que nunca nos deixe esquecer os destroçados de Algodões
E suas desprezadas vidas destruídas num dilúvio anunciado
E nada menor que as labaredas
Que crepitaram os pobres de Teresina
Em tempos não tão de antanho.

Preciso urgentemente escrever um poema
Para dizer a essas assassinadas criaturas
Que não, nunca deviam ter confiado em governo
E que a montanha de água que sobre eles despencou terá,
Em Deus, o Vingador.

Preciso urgentemente escrever um poema
Para pedir perdão aos dizimados do tsunami
Pela falta de solidariedade
E pelo silêncio, pusilânime, dos poetas do Piauí.

domingo, 5 de janeiro de 2014

INAÇÃO, conto-recorte de Airton Sampaio

para Assis Brasil

Ao gritar o nome da cigana, Inação viu um homem, de pele queimada, aparecer na pedra onde Sulima costumava ficar despida. Ele estava sem camisa e tinha uma faca na cintura. Inação logo reconheceu: “é um cigano”. Ouviu o mato estalar nas suas costas e sentiu que estava cercado: “aquela desgraçada”. E tudo ficou em silêncio - o cigano lá, na pedra, feito uma estátua. Inação levou a mão à peixeira e ficou à espreita. O cigano desceu do lugar onde estava e quando surgiu na sua frente já trazia a faca na mão. É
o meu branco da casa da fazenda?
- Ele mesmo.
- O branco vai morrer, ouviu?
- É? E quem vai matar?
- Esse aqui, na sua frente.

E saltou sobre Inação que, rápido, mostrou a peixeira no seu rumo O cigano se desviou ligeiro como um gato e, no desvio, conseguiu ainda tocar, embora de leve, numa das orelhas de Inação, que começou a sangrar. O cigano parecia flutuar no ar, leve como uma folha seca – dançava na sua frente, esbelto – e Inação pela primeira vez viu a cara do homem, que tinha a sua mesma altura - os olhos escuros traziam ódio, a boca estava fechada com rancor. Foi
o branco quem abusou de Sulima?
- Todos vocês são uns cachorro.

Encararam-se como duas onças. Agora mediam melhor o espaço entre os dois - Inação fitava o cigano, para melhor acompanhar seus movimentos, e pensava, “é matar ou morrer, não tem jeito”. E então se lembrou que há dez anos teria enfrentado aquele cigano sem um trisco de medo, como naquela briga no terreiro defronte à casa da fazenda, para castigar um valentão que tinha desfeiteado dona Candinha. O golpe mortal que dera no Doca Barroso fora considerado por Matias como um golpe de mestre. Era um golpe traiçoeiro, mas o homem tinha que ser ligeiro como uma criança para conseguir seu intento.

Inação fitou a cara do cigano e viu foi a cara do Doca Barroso. Aí deu uma volta no ar, dez anos mais remoçado, mudou a peixeira da mão direita para a esquerda, balançou o corpo três vezes, deu um berro que podia espantar até os espíritos da mata e atingiu o cigano bem no pé do umbigo, enfiando a peixeira até o cabo – com a outra mão amparou o golpe da faca adversária, que ainda lhe riscou os dedos, “toma, desgraçado.” O cigano caiu a seus pés, já de olho vidrado. Inação tirou, com calma, a peixeira do corpo, limpou o sangue numa folha de bananeira e começou a sentir as pernas trêmulas. Teve ímpeto de sair correndo dali quando ouviu um galho quebrado na mata - respirou fundo, o suor lhe empapava o rosto e o pescoço e sentia todo o corpo em febre. Esperou em posição de defesa. Tudo podia acontecer naquela noite, os ciganos tinham marcado a sua morte, já sabia.

O olho d’água continuava tranquilo, como se nada estivesse acontecendo. De vez em quando Inação ouvia um pequeno estalo na mata - eram eles dizendo que estavam ali. Mas não apareciam, como se esperassem que Inação tomasse sentido daqueles instantes e compreendesse que estava perdido.

Outro homem, de argola dourada na orelha direita – desta vez mais velho - surgiu na frente de Inácio. Trazia uma peixeira na mão cabeluda - a pele tostada, as sobrancelhas grossas. Inácio notou que ele mascava um pedaço de fumo, não lhe pôde ver os olhos - a lua grande havia sumido. Pensou aplicar o mesmo golpe dado no outro cigano - agachou-se na frente do homem (este era mais sereno do que o outro) - a mão segurava com firmeza o cabo da peixeira – Inácio achou o cigano mais baixo do que o anterior - rodavam em torno de um círculo imaginário, como dois touros enfurecidos antes de entrechocarem os chifres. O cigano se aproximou mais de Inação e experimentou sua destreza com um golpe de baixo para cima, com intenção de botar suas tripas pra fora. Inação deixou que o cigano tomasse duas ou três iniciativas na luta - as duas peixeiras se encontravam e lançavam faíscas no ar parado da noite - nesses instantes os dois se mediam pela astúcia e pela força. Inação viu, após os primeiros golpes, que estava diante de homem mais experimentado - ele devia ter visto o golpe que dera no seu companheiro e não cairia no laço. E teve um repente: jogou a peixeira na cara do cigano, ele tonteou, o sangue descendo do nariz - e o lnação torceu-lhe o braço até a sua arma cair no chão.

Estão desarmados agora, corpo contra corpo, bafo contra bafo, o suor dos dois se mistura - Inação sabe que não pode manter a luta daquele jeito, sente um esmorecimento e se separa do cigano – os dois apanham de um salto a arma. Inação resolve aplicar o golpe que chama de traiçoeiro, pois ninguém até aquela data tinha se livrado dele - uma volta no ar, a peixeira de mão a mão, o corpo balançando na frente do inimigo, o berro de animal ferido e a facada certeira na barriga - o cigano se amparou em Inação, ofegante, os olhos arregalados, como a dizer “este homem é um demônio” – Inação retirou a faca ensanguentada e deixou o corpo cair numa poça do olho d’água.

A luta é desigual - pensa Inação – e só há um meio de escapar: fugir, correr em qualquer direção. Sente um principio de pânico, as forcas esmorecem, sabe que não poderá mais com o próximo cigano – eles não querem um massacre, querem uma luta de homem para homem, “vão fazer assim até me acabar". Por onde andaria Matias? Na certa namorando em algum sovaco da estrada de ferro. Era um festeiro, aquele compadre, mas na hora da precisão não aparecia. E o pessoal da vizinhança, por que não surgia vivalma? E o padre, que sempre andava de madrugada, conversando com as estrelas? Pela primeira vez numa briga sentia precisão de ajuda. Inação respirava fundo e esperava, bem próximo aos corpos dos ciganos. O suor que sentia escorrer pelo peito já era frio - ou a noite esfriava com a lua escondida? "Os ciganos deixam que eu descanse, querem uma luta limpa, sem injustiça, os desgraçados". Inação tem as pernas trêmulas, a vista embaçada, aspira todo o ar que pode, estira os braços como para reunir as forças, “eles querem me acabar". Outro cigano surgiu de repente na frente de Inação, como se tivesse saído do fundo do olho d’água. Para Inação aquilo já era mais pesadelo que realidade. O cigano, de peixeira em punho, não era um homem de carne e osso, já era um fantasma. Teve vontade de gritar e gritou: “Desgraçado”. O eco respondeu no fundo da mata: “Desgraçado”. O
branco sabe que vai morrer agora?
- Traz toda a tua gente que eu mato tudo e dou pros urubus.

O cigano mostrou a peixeira reluzente e fez menção de atirá-la nele. Inação se agachou, o cigano pulou em cima dele e, com um pontapé, o desarmou. Inação, agora desarmado, não pensa mais em correr, o ódio tomou conta dele - ouve a voz de Sulima, a sua gargalhada mato a dentro, sente o perfume de seu corpo, “desgraçada”, e grita, “desgraçado”. Sente um novo ânimo, o suor está quente no rosto, a vista mais clara - a lua grande saía das nuvens para ele ver melhor o homem à sua frente.

O cigano não deixa que recupere a peixeira - joga-a no olho d'água. Inação tem ímpeto de se atracar com o cigano, mas respeita a faca reluzente em seu peito, quando o cigano, num movimento rápido, corta-lhe bem fundo os dois braços, um de cada vez. Ele sangra, mas não sente dor. O cigano mostra-lhe os dentes, vai picá-lo aos poucos, como Inação pretendia fazer com um deles, “depois dou pros urubus", então corta de leve o peito direito de Inação, que se defende com as mãos vazias, também riscadas pela peixeira afiada. O cigano só espera que Inação, na sua fúria, avance, para receber sucessivos cortes na pele - ele sangra, a roupa já está toda ensopada. Ao gritar mais uma vez “desgraçado” Inação sente que as forças sumiam de vez e não estava longe o seu fim. O filhinho morto, a Zita, a Frecheira da Lama são apenas um sonho... O cigano deixa que Inação o abrace, numa última investida, e crava-lhe, com ira, a peixeira no peito. Beneficiaram
o Inação, doutor.
- O quê, Matias?
- Sim, senhor, caparam o Inação.