terça-feira, 31 de janeiro de 2012

OS VIVOS E OS MORTOS

HALAN SILVA


Talvez o melhor conto de Os dublinenses (Dubliners-1914), do escritor irlandês James Joyce (1882-1941), seja Os mortos. O cineasta John Huston (1906-1987), já bastante debilitado, o transformou em filme: The dead (1987), que em português recebeu o título Os vivos e os mortos. Como no artigo anterior, volto ao universo literário de James Joyce para tratar de um assunto alheio à temática de Os dublinenses - a situação atual da literatura piauiense.

Em 1952, ano do centenário de Teresina, o poeta H. Dobal (1927-2008) escreveu um livro de crônicas denominado Roteiro Sentimental e Pitoresco de Teresina. Com exceção do autor, ninguém àquela época se interessou pela obra. Após peregrinar por diversos Estados brasileiros, pela América do Norte e por alguns paises do continente europeu, o poeta retornou para Teresina. Na bagagem, trouxe os originais do Roteiro Sentimental e Pitoresco de Teresina, que guardou consigo durante cinqüenta anos. De posse desses originais, o professor Cineas Santos (1948), após acatar uma sugestão do cartunista Albert Piauí, os editou em folhetim no Jornal da Manhã (graças ao empenho incondicional do jornalista Kenard Kruel). Finalmente, em 1992, com o apoio do prefeito de Teresina, o ex-deputado Heráclito de Sousa Fortes (1950), o professor Cineas Santos conseguiu colocar o Roteiro Sentimental e Pitoresco de Teresina no pacote editorial da Fundação Cultural Monsenhor Chaves.

A sociedade é devedora insolvente dos escritores piauienses. O Estado e os Municípios, esses com raríssimas exceções, não adquirem livros de nossos escritores para o acervo das bibliotecas ou para as escolas da rede pública. As escolas privadas não costumam adotar obras de autores locais e as livrarias, salvo a Livraria Nova Aliança, mantêm sérias restrições para comercializá-las. No que concerne às edições, lamento informar que o Projeto Petrônio Portella, apesar do que esse nome representa, acabou. A Fundação Cultural Monsenhor Chaves anda claudicando, já não edita como nos tempos do professor Raimundo Wall Ferraz (1932-1995). No setor privado, após o fim da Editora Corisco, da morte do professor Marcílio Flávio Rangel de Farias (1956-2006) e da saída do professor R. N Monteiro de Santana (1925), as edições sofreram um baque. Recentemente apareceu por aqui um livreiro cearense, de Juazeiro do Norte, Leonardo Dias da Silva que, incentivado pelo romancista Assis Brasil (1930), fez um esforço tremendo e editou uma porção de escritores piauienses contemporâneos (além de tratar com respeito os nossos escritores). A ideia dele era levar os autores piauienses às escolas, mas elas se mostraram refratárias, apesar do currículo ser flexível. Tristeza: ele confessou que vai encerrar sua atividade de editor. A Academia Piauiense de Letras parece estar mergulhada num sono letárgico. Não publica a contento e não demonstra ter uma política definida em favor de nossa literatura. O conselho Estadual de Cultura, nesse quesito, especificamente, parece viver nos melhores dias de marasmo. As universidades, UFPI e UESPI, há anos estudam dois ou três autores e nada mais fazem. Nossos parlamentares são ocupados demais para perder tempo com cultura e educação. Por fim, como se não bastasse, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) desferiu o tiro de misericórdia na literatura piauiense, que foi banida do “vestibular”. Por outro lado, o ENEM deu um basta nos famigerados resumos que instrumentalizavam, banalizavam, negavam aos estudantes incautos a remota possibilidade conhecer de perto a literatura piauiense. Desamparados, os exploradores de resumos passaram a explorar os mortos publicando obras que caíram no domínio público, menos mal.

No artigo anterior afirmei com pertinácia que o requisito primeiro ou último para ser um autor bem sucedido no Piauí era ser aclamado e/ou premiado nos grandes círculos literários do país. Desfaço em parte a assertiva, pois um dos nossos melhores contistas contemporâneos resta ignorado no Piauí (a situação está ficando pior). Refiro-me ao escritor parnaibano Carlos Alberto Castelo Branco (1944), autor de Essas abomináveis criaturas de Deus (1989); de A máquina de pensar bonito, contra o medo que o medo faz (1986), prêmio Instituto Nacional do Livro, de 1984, para literatura infantil; de O pai que virava bicho (1986), prêmio Monteiro Lobato, 1985, da Academia Brasileira de Letras. Portanto, o pior lugar para os escritores piauienses é o Piauí.        

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

A PRIMAVERA EM TERESINA: LUTA ESTUDANTIL, MILÍCIA HOSTIL E CONSCIÊNCIA DEMOCRÁTICA

"A barricada fecha a rua, mas abre a via."
(Frase pichada nos muros de Paris em Maio de 1968)

  

[Joaquim das Flores]

A luta dos estudantes contra o aumento das passagens em Teresina é uma demonstração aos  homens públicos e aos empresários que Teresina não é mais uma província. A maioria de nossos governantes raciocina como se a velha cidade provinciana de outrora ainda fosse a mesma. Teresina é hoje uma cidade que precisa de grandes viadutos, não de rotatórias improvisadas. Uma cidade que demanda largas vias, semáforos, novas marginais, sinalização para passagem de pedestres em suas principais avenidas (não há uma sequer!).  Talvez por um problema de geração, comodidade ou de percepção da grandeza da cidade, os governantes de hoje não assimilaram esta nova Teresina.

Como sabemos, os empresários que detém a concessão pública das linhas urbanas de ônibus financiam as campanhas dos vereadores e do prefeito. Por isso, a decisão sobre a tarifa a ser cobrada é tomada a portas trancadas. Reúnem-se o prefeito e os empresários, decidem segundo seus interesses particulares, negociam. Trabalhadores, estudantes e usuários em geral não interferem nesta decisão, estão excluídos dela. O prefeito, ao invés de defender o interesse público, advoga em favor dos interesses privados dos empresários, que, afinal, serão sua principal receita de financiamento de campanha. Esta situação não poderá continuar por muito tempo, creio. A consciência democrática não admite decisões unilaterais, sem diálogo. A elite política e empresarial teresinense não assimilou esta nova realidade. O cidadão não aceita mais ser objeto passivo da decisão de uma elite intransigente.

Em verdade, o atual prefeito Elmano Férrer tem avançado em alguns pontos desta questão. Se estivéssemos na época de Sílvio Mendes, cujos familiares eram, e ainda são, donos de empresas de ônibus, certamente, não teríamos integração de linhas, tampouco qualquer outro benefício. Recordo-me que nas eleições para prefeito em 2004, Mendes implementou meia-passagem para todos os usuários em feriados e fins de semana. A "promoção" durou até o dia das eleições. Na manhã seguinte, já eleito, o prefeito a suspendeu.

Sílvio Mendes, como sabemos, prorrogou a concessão das linhas aos seus colegas por mais vinte anos de maneira inconstitucional, à revelia da intervenção do Superior Tribunal Federal com a então ministra Ellen Gracie. Mendes sabia que um processo licitatório com a concorrência de dezenas de empresas que operam com linhas urbanas em todo o Brasil poderia certamente eliminar as empresas locais ou diminuir drasticamente suas escorchantes taxas de lucro. Decidiu então prorrogar ilegalmente a concessão pública sem licitação. Um absurdo autoritário. Mendes era irredutível nesta questão. Não titubeou em rasgar a Constituição para fazer valer os interesses privados de sua família e do cartel de empresários-financiadores de campanha eleitoral.

Os jornais locais têm tachado os estudantes de vândalos. Não por acaso, estes jornais são propriedade do mesmo grupo de empresário e familiares afins. Estaríamos diante de um clã-parental que manipula a informação, a poder municipal e o transporte público. Elementar. A história ensina, entretanto, que todas as conquistas democráticas, onde quer que elas se dessem, foram resultado de um longo processo de luta. Foi assim na Revolução Francesa, foi assim em 1848 em Paris, foi assim na Comuna de Paris em 1870, foi assim nas Diretas Já. Os estudantes teresinenses de hoje são personagens vivos, dotados de uma consciência democrática que quer se fazer ouvir, ainda que para isso seja necessário usar da violência.

A violência é um recurso legítimo de toda luta democrática. Quem está excluído e quer se fazer ouvir deve lutar.  A promotora do caso, Clotildes Costa Carvalho, veio a TV acusar o movimento de "vândalos" de ser financiado por sindicatos de esquerda. Quer dizer então que é legítimo que os empresários de linhas de ônibus financiem campanhas para prefeito e vereadores, porém não é legítimo que os sindicatos financiem a causa dos estudantes e usuário de transporte público? O que a senhora promotora chama de legitimidade deveríamos chamar de promiscuidade política entre empresários, prefeito e vereadores. A promotora, como jurista que é, deveria saber que os sindicatos são entidades privadas — corporações — e que possuem legitimidade constitucional para representarem seus adeptos.

E já que estamos a falar de legitimidade, deveríamos nos perguntar o que levou estes estudantes à luta radical. Creio que haja uma consciência democrática florescendo entre nós, e que tal consciência levou milhares de jovens a exporem sua própria integridade física para lutar contra um sistema viciado e injusto. As razões da luta, portanto, não dizem respeito apenas ao aumento das passagens, ou à falsa integração das linhas, mas a um conjunto de questões que saturaram o cidadão teresinense. Com a facilidade de articulação coletiva através das redes sociais virtuais, esta insatisfação se transformou em luta e ação política. Quais, então, os principais pontos de saturação da consciência democrática diante do problema do transporte público em Teresina? Vamos a eles:

1) Teresina precisa ter um processo licitatório constitucional para as linhas de ônibus com ampla concorrência para as empresas de fora da cidade, empresas que possam gerar concorrência interna e melhoria da qualidade do transporte. A prorrogação arbitrária do ex-prefeito Sílvio Mendes deve ser revogada. Licitação límpida e transparente. Concorrência pública. Fim do monopólio empresarial local.

2) Os empresários se queixam da baixa margem de lucro que auferem com o transporte urbano em Teresina. O aumento das passagens seria inevitável para que a atividade continuasse lucrativa. Ora, se não é uma atividade lucrativa, então porque estes senhores não mudam de ramo? Passem a concessão para outro gestor e migrem para uma atividade mais lucrativa. Ademais, se fizéssemos um levantamento sobre o crescimento do patrimônio destes senhores nos últimos vinte anos de prefeitura pessedebista veríamos que esta atividade é lucrativa por demais. Em verdade, a concessão de linhas urbanas em Teresina não é uma atividade lucrativa, mas uma atividade de extorsão institucional, enriquecimento ilícito e um vício para o sistema eleitoral teresinense e brasileiro.

3) As linhas de ônibus em Teresina são cartelizadas. E isso é ilegal. A linha que vai do bairro Saci para o Centro é monopólio da empresa Cidade Verde. Se a empresa Taguatur quiser concorrer com a Cidade Verde nesta linha, será embargada. Em várias cidades, a concorrência é aberta. Ganha o usuário, que pode escolher qualquer uma das empresas, diminuindo o tempo de espera nas paradas. O teresinense precisa de um sistema que multiplique as opções de transporte, e não um sistema que o faça refém de uma única linha monopolizada por uma divisão em cartel.

4) As vans, quando implementadas em fins dos anos 90, foram impedidas de circular na mesma linha dos ônibus. O SETUT isolou as vans em trajetos marginais de pouca circulação de pessoas para que tais vans não tomassem os passageiros dos ônibus. Se as vans circulassem na mesma linha dos ônibus, os usuários teriam mais opções e isso também reduziria o tempo de espera. Mas a prefeitura não contraria jamais os interesses dos empresários financiadores de campanha, e o usuário sofre com isso.

5) A média de espera por um ônibus em Teresina é de 20 minutos. Este é o tempo mínimo em geral.  Pode chegar de 40 a 60 minutos em determinadas linhas. Há um índice chamado IPK (índice de passageiro por quilômetro). O IPK de Teresina é altíssimo, o que significa que o usuário viaja em ônibus lotado, em pé, sem ar condicionado, espremido numa lata de sardinha. Quanto maior o IPK, maior o lucro do empresário, maior o desconforto do usuário. Em verdade, andar de ônibus em Teresina é desumano. Não há paradas com sombra na maioria dos pontos de ônibus, os motoristas e cobradores são uns cavalos batizados mal-educados, os passageiros se amontoam como podem. A Av. Frei Serafim, principal da cidade, não possui paradas minimamente confortáveis. Os usuários se protegem do sol com pedaços de papelão, na sombra perfilada dos postes mais próximos. Uma situação humilhante. Se tivesse concorrência entre as linhas o serviço melhoraria. Mas o Prefeito não quer concorrência, quer um mercado fatiado em cartéis proporcionalmente lucrativos para seus financiadores de campanha. Os vereadores idem.

6) Os empresários se queixam da meia-passagem para os estudantes, alegam que esta concessão baixa os lucros e os obriga a repassar o prejuízo para o preço da passagem regular. Para quem não sabe, a prefeitura paga adiantado o valor relativo à meia passagem estudantil aos empresários. O valor pago é fixo e não há risco de prejuízo. Caso o estudante não use uma ou mais passagens, seja porque expirou o prazo de uso, seja por outra razão qualquer, os empresários recebem o valor estipulado. Quando os estudantes vão ao SETUT comprar passagens, o valor somado de todas os passes já foi pago às empresas de transporte. Como já disse, trata-se de um pagamento adiantado.

7) Se formos comparar o serviço de transporte público de Teresina com qualquer outra capital brasileira, veremos que estamos num atraso brutal. Teresina foi a última capital do nordeste a ter integração. Agora temos uma falsa integração, com o absurdo intervalo de uma hora para reembarque, reduzindo a quantidade de paradas para impedir que o usuário usufrua do benefício. No Rio de Janeiro, por exemplo, estudantes de escola pública fardados não pagam passagem de ônibus, a integração vale por 24 horas e algumas linhas têm ar condicionado. Isto seria inimaginável em Teresina, porque aqui os prefeitos e vereadores só trabalham para atender a seus interesses privados e dos seus financiadores de campanha.

8) Todo cidadão teresinense sonha em ter carro ou moto para não depender de ônibus para se locomover. Atualmente, de cada três habitantes em Teresina, um deles possui carro. Esta situação se agravará mais ainda nos próximos anos. A solução para remediar os engarrafamentos é fazer com que o conforto e o preço do transporte público sejam suficientemente atrativos para que o cidadão prefira se locomover de ônibus e não de carro. Já é assim em Curitiba, por exemplo. Carro custa IPVA, multa, manutenção, gasolina e estacionamento. Ônibus não têm ônus.

Pela primeira vez em 30 anos, jovens e corajosos estudantes teresinenses, levados por uma magnânima consciência democrática, resolveram agir e lutar por uma cidade melhor, mais justa, onde os cidadãos tenham voz. Teresina se recusa a ser servil e acomodada diante de um elite espiritualmente velha, autoritária e anti-democrática. Esta será uma cidade de todos. Ocupemos as ruas. Porque a "A barricada fecha a rua, mas abre a via".

domingo, 15 de janeiro de 2012

OAB/PI É DEVAGAR, QUASE PARANDO...

... ou a DITADURA CIVIL-MILITAR que tem envergonhado Teresina já não machucou demais o Estado Democrático de Direito para que o discurso do presidente da Ordem se torne menos flácido? Chega! Ditadura nunca mais! El Mano do Setut de JVC que se fuher! E vivam TODOS os ONÍRICOS!!! 

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

HÁ MAIS DE DEZ ANOS QUE DIGO ISSO NA UFPI!

Notícias

12janeiro2012
COBRANÇA INDEVIDA

Universida​de federal não pode cobrar pós-graduação

A 5ª Turma do Tribunal Federal da 1ª Região negou recurso da Universidade Federal de Goiás contra decisão monocrática que afastou a cobrança de mensalidade relativa a curso de pós-graduação.  Para o relator do recurso, desembargador federal Fagundes de Deus, a cobrança de taxa de matrícula e mensalidade relativas a cursos de pós-graduação ministrados por universidade pública é repelida pelo ordenamento jurídico, pois o princípio de ensino nos estabelecimentos oficiais, segundo a Constituição Federal, não discrimina níveis, razão pela qual é possível a sua aplicação a todas as modalidades de cursos, inclusive os de pós-graduação.
“A Carta da República, ao instituir o princípio da gratuidade de ensino nos estabelecimentos oficiais, não fez ressalva quanto ao nível de ensino que seria abrangido por tal princípio, daí por que parece certo dizer que o ensino superior deve ser gratuito nas universidades públicas”, sustentou o relator.
No recurso, a UFG sustenta que “os cursos de especialização não são subvencionados por dotações orçamentárias, dependendo da contribuição financeira dos alunos para que sejam mantidos”.
Ainda de acordo com o desembargador, “os cursos de pós-graduação tanto stricto sensu como lato sensu não deveriam ser excluídos do alcance do princípio da gratuidade de ensino. Primeiro, porque, como antes dito, o próprio texto constitucional instituidor do aludido preceito não excepcionou o ensino superior; segundo, porquanto, estando os cursos de especialização compreendidos na educação superior, revela-se injustificada a não-aplicação da mencionada norma”.
Com esses argumentos, o magistrado entendeu que “revela-se indevida a aludida cobrança, dado que fora ela instituída por meio de resolução da instituição de ensino, norma terciária, portanto, sendo certo que o princípio da autonomia universitária não exime a Administração da observância do preceito maior a que está vinculada, qual seja, o da legalidade”. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRF-1.
Processo n.º 2008.35.00.014568-0
Fonte: Consultor Jurídico, sítio com edição de 12 jan 2012.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

PORRA, A DITADURA MILITAR NÃO ACABOU, NÃO?

Olá, pessoal.

Nesta noite a polícia do Governador Wilson Martins agrediu mais uma vez os manifestantes pelo transporte público que se encontravam na Avenida Frei Serafim, em Teresina. Segundo as notícias, muitos estudantes foram presos. Vários atingidos com gás e bala de borracha. Uma estudante teve o seu olho machucado pelas famigeradas balas. Se isso se confirmar, o que acontecerá com a visão da moça? Quem será responsabilizado por isso? Onde está o limite da virulência policial? Onde estamos, meus caros?
Parece que o tempo não passou... Há quase trinta anos participei com os meus pares de manifestações estudantis, quando discente da UFPI, reivindicando direitos elementares, como o direito à liberdade. À época – incrível!- ouvíamos as mesmas acusações e sofríamos os mesmos ataques do establishment. Quase trinta anos se passaram, promulgamos uma nova Constituição Federal, constituímos o Estado Democrático de Direito, passamos a viver globalmente em tempo real e, pasmemos, as pessoas continuam sem poder se manifestar livremente! A polícia permanece colocando os estudantes sob sua mira, orientada por um ou outro discurso oficial por demais conhecido, posto que repetido exaustivamente nessas últimas décadas.
Ao que vemos, o mundo mudou, o Brasil mudou e as instituições – coloquemos os nomes: governos, polícia, mídia – continuam as mesmas. O comportamento apequenado das lideranças políticas, idem; praticam a mise-en-scène oportunista junto aos movimentos populares. Diante da força empregada contra meninos e meninas e a favor de segmentos que se beneficiam dos negócios do Estado, viram as costas para as tais conquistas democráticas.
As tais elites, está claro, não aprenderam a lidar com as tensões sociais, não se abriram para a política dos novos tempos. São elites atrasadas que só conhecem um mesmo discurso: repressão, submissão, controle da opinião pública para, com isso, decretarem o laissez faire nos seus feudos, com aqueles que escolhem a dedo. Bela lição de democracia! Que os jovens possam ensinar um pouco mais a tantos e tantas que já estão de cabelos brancos sem se dar conta, minimamente, que não são donos e donas do mundo. Que o movimento se fortaleça para cobrar a punição dos agressores oficiais.
Se você concordar, repasse este e-mail.

Ab,
Valéria Silva.
valeriaufpi@gmail.com

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

LANÇAMENTO DA REVISTA ACADEMIA ONÍRICA 2!

AO-Revista 2 será lançada na sexta-feira, 13/1, no Canteiro de obras! 


banda de rock Neandertais + 
exposição de Gabriel Arcanjo e Artur Doomer +
vídeo com colaboração do Coletivo Diagonal +
fanzine + a 2ª edição da AO-Revista +
sua participação !

o Espaço Cultural Canteiro de Obras 
fica no centro - atrás da praça do Fripisa
- no cruzamento da Anísio de Abreu com Eliseu Martins.

entrada apenas 10 conto - E JÁ LEVA GRÁTIS A NOVA REVISTA

domingo, 1 de janeiro de 2012

AGORA, O PROMETIDO CONTO EM DES-HOMENAGEM A TERESINA!

RUBRO SOBRE O VERDE
ou
SANGUE ENTRE DOIS RIOS QUE SE ABRAÇAM
ou
CONTO EM CINCO DESATINOS E UM ESBOÇO DE EDITORIAL

Airton Sampaio

1
LUCRECIUS

Quando se despediram, há bem uma hora já havia apitado a Usina. Conversaram, na calçada do sobrado, em cadeiras de vime e espaldar, desde a boca da noite. A visita morava a poucas quadras dali, para onde se dirigiu, a passo pequeno, após efusivo abraço no amigo, sob a luz leve da lua o paletó e a gravata brancos alinhados, o chapéu de feltro também branco e importado, a bengala refinada, um mimo da neta.
          Contava então Therezina, nesses idos de 1927, com não mais de 60 mil almas, e chamavam a atenção os seus quintais e o verde de seus quintais e suas igrejas imponentes, como a de São Benedito, no Alto da Jurubeba, ali ao lado do Morro da Moderação, e a do Amparo, na Praça da Bandeira, mais adiante, a oeste de quem de costas está para o norte, como sentados estavam os amigos, em agradável interlóquio.
          --- Sem as circunstâncias da política, a cidade teria permanecido como Vila Nova do Poti, mas, sendo decisivo o apoio do imperador para a mudança da capital de Oeiras para cá, era preciso beijar, e se beijou, a mão à imperatriz.
          --- Ainda bem que bonito, o diminutivo de Teresa.
          --- Bonito também se Therezina anagrama de Thereza Cristina for.            
         Naquela noite de ausentes estrelas e pouca lua não mais se via um pé de cristão. A Usina já apitara, por assim dizer, o toque de recolher. O juiz, no andar de cima, metera-se em seu camisolão de dormir e nem ainda se deitara ouve batidas fortes, e muitas, na porta. 
          --- Vai ver ele esqueceu alguma coisa.
         Assim pensando, e dizendo já vai, já vai, já vai, desceu a escada, tirou a taramela de segurança da porta e eis que um homem de capote preto, aba do chapéu preto caído sobre o rosto, diz-lhe algo e desfere a primeira facada, depois a segunda, e a terceira, e outra, e mais outra, e outra. Na parede, escrito ficou, com sangue e letra trêmula, uma sílaba com duas vogais, que logo se deduziu ser parte do nome do mandante, que fizera questão de se dar a conhecer à vítima pela boca mesma do assassino ou pronunciado fora o nome para desviar a atenção do verdadeiro autor intelectual e incriminar a outrem? Teria sido a morte do juiz crime de política ou acerto de contas por decisão judicial intragada? Ou a ambição e a inveja seriam o móvel de tanto sangue no sobrado do Alto da Moderação?
       Therezina especulava no Café, nos bares, nos cabarés, nas ruas, nas praças, nas casas, nas feiras, nos festejos, nas tertúlias, na imprensa, em livros... Certeza só a de que o executor, fosse quem fosse, não passava de um pé de chinelo, e o mandante, fosse quem fosse, era um potentado. Ali perto, uma igreja, erguida, no Morro da Jurubeba, pelo suor do povo miúdo, detinha toda a verdade, pois de sua torre alta, que espiava as cercanias, testemunhara tudo, porém emudeceu, embora as prisões, embora o suposto homem de capote preto tenha declarado, em depoimento, o nome de um militar. Não seria isso mais uma manobra diversionista? Ou falava mesmo a verdade o pistoleiro?
          Mistérios de Therezina, que continuaram em Terezina e vigem, ainda, em Teresina. Quem, enfim, mandou matar o juiz federal? Ó anagramática cidade! Ó elites entrerrienses! Ó histórias mal contadas! Que véus são esses que estendes do Parnaíba ao Poti sobre os fatos de sangue desse lugar mesopotâmico também tido por chapada e pleno de sol, coriscos, trovões e impunidades?

2
THEATRO

Isso se perguntava o homem que acaba de entrar no condomínio onde mora e que para seu ap, no quarto andar, sobe as escadas mais apressado do que quando à rua, que mesmo com tanto assalto teimava por caminhar depois das dez da noite.
          --- Uma forma, essa minha, de parir ideias que me vêm, o dia todo, engravidar a mente.
          --- Elevador?
          --- Nem pensar...  
         Uma vez na escrivaninha, diante de si o papel, há dias em branco. Escreveu, no alto, e sublinhou: O Carteiro e a Ditadura. Era o título! Ato contínuo, digitou: “Naquela noite therezinense, quando Elzano foi para o encontro no costumeiro bar, não atinava que se dirigia para a morte e abandonado lhe seria o corpo todo mutilado dentro de um porta-malas de um conhecido carro”. Enfim, a frase de abertura! Agora, era tecer os diálogos ocorridos dentro da madrugada rubra e o conto, pode-se bem dizer, nascia. O fecho, aliás, já o tinha escrito, ao pé da página: “De onde não havia mistério a polícia, agindo às avessas, criara um, lançando um véu sobre o que desvelado estava. Sanha, e sina, de Therezina, isso”.
          --- Você vai parar de dizer que matou ele.
          --- Como assim, senhor secretário?
          --- Você vai parar com essa história de que foi você quem matou.   
          --- Mas foi.
          --- Se aferre nessa versão que agora lhe dou e tudo ficará como dantes no quartel de Abrantes.                        

3
CHUVA!

Chuva! Chuva nos Cajueiros! Esse grito medonho e o badalo dos sinos das igrejas anunciavam, na Therezina do Estado Novo, o horror: gente correndo em desatino, pessoas se consumindo em chamas para tentar salvar alguém ou alguma coisa de dentro das casas de palha, que crepitam, aos montes, às vezes cem de uma vez, geralmente ao sol do meio-dia.
         --- Eu não taquei fogo em nada não, seu delegado.
         --- Deixe de conversa mole, ora.
         --- Sou inocente, seu delegado.
         --- É? Vamos ver se é macho mesmo é lá nas Ilhotas.
         --- Delegado, me tire daqui, que não fiz nada não, juro por Deus.
       --- Diga que foram esses aqui que mandaram o senhor tocar fogo nas casas e vamos ver o que podemos fazer.
         --- Não fui eu, seu delegado, eu não queimei nada.
        --- Enquanto não confessar vai ficar assim, o corpo enterrado de pé, só a cabeça de fora, neste solzão de outubro, e sem comer nem beber.
        --- Não sou incendiário, delegado.
       --- Mas eu, seu Luiz Enfermeiro, eu sou chefe  de polícia e farei com o senhor o que bem quiser, entendeu?
          Coisas, esses incêndios, de quem queria baratear ainda mais os terrenos dos pobres para comprá-los por pechincha? Atos malvados da Oposição, como dizia o Governo? Atos cruéis do Governo, como dizia a Oposição? No meio do terror, o povo chamuscava, perdia tudo, desesperava. A Igreja quase nunca passava do badalar dos sinos, os jornais em geral calavam, os escritores só um, o Vítor Gonçalves Neto,  escreveu Santa Luzia dos Cajueiros, novela que num porre extraviou, mas da qual veio Fogo, o conto.
         “Continua indecifrado o enigma dos incêndios de casas de palha que há muitos anos flagelam a pobreza de Teresina”. Isso disse, em O Piauí, em 13 nov 1946, o udenista Eurípides de Aguiar, presidente do Estado de 1916 a 1920. O que diziam, então, os pessedistas de Leônidas Mello, interventor do Piauí de 1937 a 1945, é fácil imaginar. Ó Neros! Ó Herodes!
          --- Durante a semana, retire os meninos e as coisas, que vai ter chuva.
          --- Obrigado, meu irmão, por avisar.
        --- Mas saia discretamente, para não espantar os outros.
         --- Mas eles vão se tostar...
        --- Avisei você, correndo todos os riscos, porque é sangue do meu sangue. Agora, se quiser se queimar na chuva com eles, Deus seja contigo. Vai ter um temporal dos diabos aqui na Vermelha!
          --- Tá bem. Eu e os meninos vamos sair hoje mesmo.
          --- Isso. Mas sem dar na vista, entendeu? Ou eu é que me lasco todo.
          “Sabe-se com certeza que Feitosa, um pobre lavrador, morreu de pancadas e diz-se que alguns outros infelizes, assassinados pelos verdugos policiais, foram sepultados às escondidos na quinta das Ilhotas e nas matas da Tabuleta. Muitas vítimas tiveram ossos quebrados, articulações luxadas ou ficaram loucas, inutilizadas para o resto da vida.”
         Sim, entre 1941 e 1947 Therezina esturricava,

(Fogo na Feira de Amostra!
Chuva na Catarina!
Temporal na Tabuleta!)

sob terror, arbítrio, monstruosidades... Quem mandava queimar os casebres? Therezina especulava, à boca pequena, no Café, nos bares, nas feiras, nas igrejas, nos festejos... Ó homens, que hoje dormem! De que lhes valeu acender e lançar nas palhas pobrérrimas as baganas de Odeon?        
                                        
4
À MERCÊ

deles está você, Mercês.
Eu vi ele saindo do quarto da patroa, mas ele não viu que eu vi ele.
Eles são perigosos, Mercês.
Ainda a história que ele torturou gente?
Torturou, Mercês. 
Mas ele não viu que eu vi ele.
Vamos embora, Mercês.
Ô xente, homem, deixe de aperreio.
          No jardim da casa faustosa era manhãzinha quando o leiteiro deu com o corpo coberto de sangue, retalhado como a um porco. As manchetes iniciais viraram títulos de página, os títulos de página se tornaram tópicos de coluna, os tópicos de coluna... Véu! Ó véu que lançam do Parnaíba ao Poti sobre ti, ó verde Mesopotâmia rubra! Ó Macondo sertaneja! À mercê desses facínoras estou, estás, estamos?     

5
H. F. / D. A.

PISTOLEIROS EXECUTAM JORNALISTA EM CASA!
JORNALISTA ASSASSINADO DENTRO DE CASA!
PISTOLEIROS INVADEM CASA E MATAM JORNALISTA!

JORNALISTA ESPANCADO E FUZILADO NA MADRUGADA!
ASSASSINADO JORNALISTA PARANAENSE!
JORNALISTA MORREU E NÃO VIU TUDO!

PRESOS PELA MORTE DE JORNALISTA OBTÊM HABEAS CORPUS
SOLTO ACUSADO DE MANDANTE DO CRIME CONTRA JORNALISTA
STF ANULA PRONÚNCIA DE MANDANTE DO CRIME CONTRA JORNALISTA

EDITORIAL
Quem Manda Avermelhar o Verde?
Começamos este Editorial explicando que Teresina é Therezina e Theresina  Há a Therezina que, desde o encontro do Poti e do Parnaíba, segue entre rios até mais ou menos a Tabuleta, depois do que emerge, ainda entre rios, Theresina. Já Teresina fica, digamos assim, a leste e sudeste, após o Poti, não mais entre rios, porém um apêndice mesopotâmico e ainda assim o lar, expandido, do Cabeça de Cuia, da Não Se Pode, de inofensivos loucos como o Jaime, o Avião, a Nicinha, o Espiga, a Porca Ruiva, e de poderosos ensandecidos que tocavam fogo nas casas dos pobres, empastelavam jornais e mandam matar, porque impunes se sabem, quem lhes incomoda ou, simplesmente,  antipatizam.
          É linda e verde Teresina, mas. Não raro se tinge de rubro esse verde que se esvai porque era ele, disse-o bem o Poeta, era ele um verde de quintais, que  desaparece(m) sob prédios que arranham o céu. Menos o vermelho sobre o verde que resta. Quem, afinal, manda tingir de rubro o verde que queremos verde? A resposta todos sabem, menos, é claro, a Polícia e a Justiça...