domingo, 14 de abril de 2013

CELSO PINHEIRO, o Poeta Outonal*

Aline Ferreira Oliveira / Beatrice Nascimento Monteiro / Ismael Paulo Cardoso Alves / José Henrique da Silva Irene**

Há diversos escritores piauienses à espera de ser reconhecidos. Infelizmente, esse (re)conhecimento ainda se encontra restrito, e nem sempre em termos nacionais, a um pequeno número de autores, como Da Costa e Silva, Mário Faustino e Torquato Neto, entre (poucos) outros. Se mesmo esses têm fortuna crítica escassa, o que dizer dos que não têm obtido nem essa mínima consagração?

Trataremos, neste artigo, de um excelente poeta, cuja contribuição grande parte da historiografia literária piauiense praticamente esqueceu: Celso Pinheiro (Barras -PI, 24 nov. 1887, Teresina - PI, 29 jun. 1950, 62 anos). Com exceção de uma rua com seu nome, no bairro Cristo Rei, em Teresina, pouco lembrado é ele no próprio Piauí, sendo, por vezes, recordado mais por um fato histórico (ter sido um dos fundadores da Academia Piauiense de Letras) que pela rica produção literária. Se o (re)conhecimento de Celso Pinheiro é escasso na terra em que nasceu e militou como poeta, poucas são as chances de que seja prestigiado nacionalmente,  embora não lhe faltem atributos para isso.

Hardi Filho, um dos poucos que se dedicaram a estudar e divulgar o trabalho do poeta, quando incitado por Dilson Lages, em entrevista, respondeu que  “o que situa Celso Pinheiro no contexto da Literatura Piauiense é o mesmo que o situa nacionalmente: sua caracterização. Diz-se, por exemplo, que Castro Alves foi o Poeta dos Escravos; Augusto dos Anjos, a quem rendemos preito especial de admiração, é, com muita justeza, cognominado o Poeta da Morte; [...] Celso Pinheiro é o Poeta do Sofrimento”. Celso não possui uma obra menos representativa que a de outros poetas brasileiros, como Castro Alves ou Augusto dos Anjos e, como defende Hardi Filho, está perfeitamente inserido, no contexto da literatura nacional, pelo “tom melódico-dolorido de sua poesia”.

Celso Pinheiro é um autor piauiense tanto por vínculo de naturalidade quanto por militância literária, exercida quase por inteiro no Estado, principalmente em Teresina. Seu primeiro livro publicado foi Almas Irmãs, em 1907, coletânea de versos editada em parceria com os poetas e amigos Antônio Chaves e Zito Baptista. À sua parte ele deu o título de NevrosesEm 1912, publicou, dessa vez individualmente, Flor Incógnita, outro livro de poesia. Segundo Bugyja Brito (1991, p.18), em 1925 foram reunidos poemas de Celso Pinheiro no livro Poesias, que teve os exemplares incinerados pelo próprio poeta, desgostoso que ficou com as modificações feitas em muitos de seus textos, por ocasião da revisão gráfica. Em 1939, foi publicada, pela Academia Piauiense de Letras, uma coletânea de poemas de Celso Pinheiro, os mesmos que constavam na publicação de 1925 e, curiosamente, com o mesmo título: Poesias.

Celso Pinheiro deixou ainda uma série de trabalhos inéditos, organizados por ele mesmo para uma posterior publicação, que nunca aconteceu. Sua obra completa reúne prosa e poesia e tem, provavelmente, como um dos motivos de sua escassa divulgação, as inimizades políticas que adquiriu em decorrência das críticas aos políticos locais. Além disso, o fato de ter a maior parte da militância literária em Teresina contribuiu para que não lograsse a notoriedade, por exemplo, de um Da Costa e Silva, que publicou livros fora do Piauí.

Celso Pinheiro integrou a Geração de 1900, fazendo parte do segmento literário mais significativo da época, o Grupo Acadêmico, fundador da APL. Sua obra apresenta características parnasianas na forma, como o rigor estético e a perfeição métrica, e simbolistas nas temáticas abordadas e na construção de imagens e alegorias que representam o estado de angústia do ser.

A dor perpassa a obra poética de Celso Pinheiro. Não a dor momentânea do amor rejeitado, nem a dor fisiológica da tuberculose (dela o poeta padecia e de suas consequências faleceu), mas uma dor mais profunda, permanente, existencial: a de viver. A dor do ser que vive e, vivendo, pensa, e pensando, sofre. A dor de ser e se saber maldito.

Celso Pinheiro fez o que Hardi Filho chama de “panegírico da dor”, sendo algo semelhante dito pelo também poeta Celso Pinheiro Filho (apud PINHEIRO, 1939, p.03), que se dirigindo ao pai fala que “você traça em seus versos retalhos de retratos da miséria humana, mas não mostra o caminho para sair desta miséria. Pelo contrário, elogia-a. [...] Você faz o elogio da dor, eu detesto-a. [...]. Mas apesar de seu subjetivismo seus versos são profundamente humanos e sociais. Retratam sombras de um passado mesclado com pedaços de um presente, ambos de descalabros”.O que é retratado nos versos de Celso Pinheiro é a própria miséria da condição humana e o aparente subjetivismo da poesia de Celso disfarça, na verdade, a dor universal, que lhe permeia os poemas. E, como registra o filho, não há, nesses poemas, resistência contra a dor, nem luta ou contestação; pelo contrário, a dor é louvada, exaltada, bendita, como se vê, por exemplo, no poema Spleen:

“Bendita seja a minha Dor! Bendito
Seja o punho de amor do Sentimento
Que me prega na cruz do Pensamento,
Com marteladas secas do Infinito...
[…]
Pois bendito é quem possui ao menos
Entre tanta inconsciência dolorosa,
A consciência de ser um Desgraçado!”

Em Spleen, através da imagem de um ser sendo pregado na cruz, que remete ao sofrimento contrito de Cristo, o eu-lírico retrata a desgraça inerente à existência humana: o ser racional é destinado a sofrer e meditar sobre o próprio sofrimento enquanto vive, como um condenado, resignado à dor de conhecer seu fado. A dor, tal como versa Cruz e Sousa, “transcendentaliza” (o verso figura como epígrafe de Poesias), porque leva o ser ao reconhecimento de sua condição e à compreensão de sua miséria.

O pessimismo de Celso Pinheiro o aproxima da poética do português Antero de Quental e do brasileiro Augusto dos Anjos. Quental é, inclusive, citado por Celso:

“Antero do Quental, de áureas correntes
Filosóficas, cheias de tortura,
Dá-me o braço no lodo da Amargura,
Ante o fuzil de dúvidas horrentes”

Como se vê, o eu-lírico convida o poeta português a, junto dele, enfrentar a amargura e as dúvidas que lhe permeiam a existência. No seu aspecto mais sombrio, a poesia de Celso assemelha-se à de Augusto dos Anjos, o Poeta da Morte, que também sofria de tuberculose. com efeito, em Os Doentes III, Augusto verseja:

 “Expulsar, aos bocados, a existência
Numa bacia autômata de barro
Alucinado, vendo em cada escarro
O retrato da própria consciência”.

A imagem evoca a angústia de assistir à própria degradação e de sentir cada vez mais palpável a certeza do próprio fim. Sentimento semelhante é descrito em Doentes: Tísico, poema de Celso Pinheiro:

 “Tosse que me laceras e me cortas!
Eu julgo-te um martelo impertinente
Pregando o meu caixão às horas mortas".

O poeta dirige-se à própria tosse, comparando-a a um martelo, a pregar-lhe o caixão todas as noites. A metáfora construída é semelhante à imagem presente em Spleen: marteladas sem fim que não permitem ao eu-lírico esquecer-se da própria desgraça. Na poesia de Celso, não há paz para o ser consciente da angústia de viver. Até mesmo Hino da Maldição, poema escrito para o seu aniversário, canta o sofrimento e a miséria humana:

E tudo degenere neste dia,
Porque, abandonando a crença pura,
O próprio Deus desfez-se em heresia

Pois sabeis que no dia que hoje passa
Minha mãe, que era a Santa da Ternura,
Deu à luz a um Aborto da Desgraça!”

As imagens construídas (Deus desfazendo-se em heresia, uma “santa” dando à luz a um aborto) são blasfemas e refletem o pessimismo do eu-lírico. Em outro poema de Celso Pinheiro, Túnica dos Vermes, percebemos como um elemento imaterial, a morte, é simbolizado através da construção da imagem de um elemento material, que dá título ao texto:

“Ante os meus sonhos pálidos, inermes
O coveiro, a coruja e mestre Outono
 Virão vestir-me a túnica dos vermes...”

Essa túnica, à qual o eu-lírico se refere, corporifica a degradação, a putrefação, a miséria que aguarda o homem ao final da existência.

Celso Pinheiro é, pois, um dos grandes nomes da literatura brasileira de autores piauienses tanto pela sofisticação de sua linguagem e das imagens que constrói em seus poemas, quanto pelo cunho filosófico de seus versos, que abordam a existência humana no que ela possui de mais árduo: o sofrimento. Resta, então, a sempre incômoda pergunta: Por que um poeta com qualidades estéticas e conteudísticas suficientes para ser considerado um dos grandes nomes do Simbolismo brasileiro não logra (re)conhecimento nem sequer em no Estado de origem?

A resposta é que talvez nós, piauienses, ainda não aprendemos a valorizar os melhores valores. Ainda estamos presos ao que a TV diz que é bom, ao que os grandes jornais e sites divulgam, ao que o livro didático de literatura nacional escrito no sul do país registra como canônico, e nos esquecemos de olhar para nós mesmos. Conhecer a literatura brasileira feita por autores piauienses (que nada deve à literatura brasileira escrita por autores maranhenses, pernambucanos, paranaenses, paulistas, cariocas, etc) é o primeiro passo para divulgá-la e, assim, não deixar que artistas genuínos caiam num abjeto e injusto ostracismo.

Grandes escritores, e Celso Pinheiro é um deles, o Piauí tem. O que não temos tido é sensibilidade para (re)conhecê-los e os estudarmos, cada vez mais, em profundidade.

REFERÊNCIAS
BRITTO, Bugyja. Três artífices do verso. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 1991. 
LAGES, Dilson. Entrevista com Hardi Filho. Disponível em: http://www.portalentretextos.com.br/dicionario-de-escritores/celso-pinheiro,50. Acesso em: 18/02/2013.
MATOS, José Miguel de. Antologia poética piauiense. Rio de Janeiro: Artenova,1974.
MORAES, Herculano. Visão histórica da literatura piauiense. 4 ed. Teresina: Comepi, 1997.
NUNES, Bárbara Silva. Celso Pinheiro e a vertigem da dor. Disponível em: http://www.nupill.org/mafua/index.phd. Acesso em: 18/02/2013.
PINHEIRO, Celso. Poesias. Teresina: APL, 1939. Disponível em: http://www.mafua.ufsc.br/numero13/obrararacelso.pdf. Acesso em: 20/02/2013.
SAMPAIO, Airton.  Literatura brasileira de autores piauienses: a falta que uma crítica militante faz. Disponível em: http://airtonsampaio.blogspot.com.br. Acesso em: 18/01/2013.
_____.  Literatura brasileira de autores piauienses: uma definição necessária. Disponível em: http://airtonsampaio.blogspot.com.br. Acesso em: 18/01/2013.
_____.  Literatura brasileira de autores piauienses: uma historiografia sem rigor. Disponível em: http://airtonsampaio.blogspot.com.br. Acesso em: 18/01/2013.

*Artigo produzido na disciplina Literatura Nacional: Autores Piauienses, ministrada na UFPI, em 2013/2, pelo professor Airton Sampaio.
**Estudantes de Letras na UFPI.