E a DISTINÇÃO POLEGAR PRA CIMA 2013 vai para...
... o interessantíssimo blog CONTOS DE SEGUNDA, escrito, o blog, pelo jovem contista Ítalo Lima!!! ADELANTE, ÍTALO!!!
E a DISTINÇÃO POLEGAR PRA BAIXO 2013 vai para...
... o filme OS SONHOS DE UM SONHADOR, A HISTÓRIA DE FRANK AGUIAR, no qual nem o Nélson Xavier escapa!!! LIMÃO AZEDO nos olhos deles!!!
segunda-feira, 30 de dezembro de 2013
sábado, 28 de setembro de 2013
NO FACE, conto de Airton Sampaio
Nunca, o rosto dela, nenhum viu. Insistiram. Suplicaram. Rogaram. Rosto e voz, não. Apareciam seios, umbiguinho, as coxas grossas, a bunda enorme, o v invertido, às vezes pelado, às vezes peludo. Não era sempre não, que se dava. E, quando ele chegava de viagem, nem celular ela usava, nem queria. Não eram poucos os gozos em que se acabava em gritos, quase se rasgando, a imaginação a mil. Perigo de trair-se com a pronúncia inconsciente de um nome? Difícil, tudo era pseudônimo e não repetia o cara, jamais. O dela ela mudava: Gisela, Sandra, Manuela... Porém a mancha no peito, sim, aquela mancha no peito, seria possível, no mundo, duas iguais? Improvável. Mas não recuou e chegou lá. Bem lá mesmo. E bota lá nisso! Aí ouviu, disfarçando desinteresse, que ele contou para ele a aventura, a mulher que mais o enlouqueceu nem o nome dela ele sabia e nem o rosto dela, sequer, ele viu. Uma puta, a porra. Um vulcão, entendeu? Cadela, potra, cabra. Ele então disse para ele, ela também ouviu, que ele não precisava disso, que ele já tinha, em casa, a mulher mais gostosa do planeta. Virou a face pro céu, incontinenti ao elogio. Aquela tatuagem no peito esquerdo dele foi ele que chamou a atenção dele quando ele chegou no bar, a camisa no ombro, a bermuda jeans. De nascença isso, ele disse. Merda congênita, essa droga. Foi rápido ao banheiro, olhou-se de frente, de costas, de lado, de perfil. Nada, nada, nada, nada. Voltou à mesa serena, até cantarolou uma canção que falava de uma moça bonita de olhar agateado. Os dela eram castanhos e comuns, muito comuns. Mas aquela pintinha na maçã direita do rosto, um coraçãozinho antigo que.. Amanhã mesmo mando retirar, se disse. Ele, agora reparava, nunca nem notara, não ia, é claro, se importar.
sábado, 7 de setembro de 2013
QUATRO CRONISTAS ATUAIS
Airton Sampaio
A literatura brasileira de autores piauienses apresenta, em seus 205 anos, poucos cronistas bons. Gênero considerado, mais do que equivocadamente, como menor, esses literários discursos sobre fatos cotidianos, em geral triviais, já tiveram entre nós, como destacados cultores, gente da estatura de Clodoaldo Freitas, H. Dobal e A. Tito Filho. Hoje, à parte a situação espacial-especial de José Ribamar Garcia, o Piauí conta, no exercício habitual do gênero, com a qualidade literária dos cronistas Rogério Newton, Cineas Santos, Wellington Soares e José Maria Vasconcelos.
No Brasil, quem deu dignidade literária à crônica foi, sem dúvida, Machado de Assis, que a praticou com o compromisso de quem sabia não ser ela um gênero apequenado, a não ser que o cronista o fosse, como sói (e dói) acontecer. Vinculada ao dia a dia ou rememorativa de eventos que um dia foram do dia, a crônica testemunha e registra, em geral via jornais e agora também por blogues, a história em movimento, a história feita por todos, a história tecida por pessoas comuns.
Se, porém, alguma restrição genérica fosse fazer a cada um dos cronistas antes citados, diria que em Rogério cansa a bandeira ambientalista, em Cineas vige a nostalgia excessiva de uma Teresina provinciana, em Wellington se dá, vez por outra, uma não muito boa expressão erótica, e em Vasconcelos contra ele depõe um moralismo católico e carola. São, como vemos, problemas não estéticos, quase impossíveis de superar-se porque mundividências, cosmovisões, pontos de vista ou, vá lá, ideologias. Na verdade, referi-me a quatro cronistas habituais, todos saborosos de ler, todos com escrita leve, todos provocadores de reflexões sobre a realidade e a vida.
Revelo que esta pequena nota a escrevi a propósito do lançamento do livro O Dia em que Quase Namorei a Xuxa, de Wellington Soares (Teresina, Quimera, 2013, crônicas), que se deu na noite de 21 de agosto de 2013, na Livraria Anchieta. O prefácio com que Ignácio de Loyola Brandão o apresenta não faz propaganda enganosa: é difícil mesmo largar o livrinho de Wellington Soares depois que se o começa a ler e, afora chatos lapsos de revisão, como "exultaram de alegria" (p. 39), “mínimos ... detalhes” (p.55) ou “cria um novo” (p. 59), ou os muitos cochilos na pontuação interrogativa e na exclamativa, penso que estou diante do melhor livro desse autor da Geração de 1970 que, antes, publicou Linguagem dos Sentidos (1992, contos), Maçã Profanada (2003, contos), Por um Triz (2007, crônicas) e Um Beijo na Bunda (2011, crônicas). Como, quando acho importante, não me omito de emitir minha opinião crítica sobre uma publicação, que o tempo dirá se acertada ou não, recordo que fui um dos primeiros que saudaram pela imprensa a estreia literária de Wellington Soares, ali pelos princípios da década de 90. Vinte anos e alguns livros depois, ele nos entrega esse saboroso O Dia em que Quase Namorei a Xuxa, resultado de sua peleja diária com a crônica, labuta que ele adora e cujos frutos nós, os leitores, degustamos. Em O Dia em que Quase Namorei a Xuxa senti desnivelados os textos Coisas de nossa democracia (p. 46-48), este mais para baixo, e Roleta russa (p. 105-107), este mais conto que crônica, mas da leitura da simpática coletânea me fica(ra)m na lembrança três personagens centrais: o angelical Avião, a destemida dona Raimunda e o impagável Tavares.
Resta por fim torcer para que a crônica evolua cada vez mais entre nós e que, por exemplo, um Danilo Damásio, que surgiu como uma esperança no gênero, a retome e torne o quarteto mencionado nesta nota um quinteto, que pode até, a depender do contista J.L. Rocha do Nascimento, virar sexteto.
______________________________________
*Artigo originalmente publicado no jornal Diário do Povo do Piauí, Opinião, Teresina, 5 set. 2013, p. 18.
**Airton Sampaio é escritor e professor na UFPI
A literatura brasileira de autores piauienses apresenta, em seus 205 anos, poucos cronistas bons. Gênero considerado, mais do que equivocadamente, como menor, esses literários discursos sobre fatos cotidianos, em geral triviais, já tiveram entre nós, como destacados cultores, gente da estatura de Clodoaldo Freitas, H. Dobal e A. Tito Filho. Hoje, à parte a situação espacial-especial de José Ribamar Garcia, o Piauí conta, no exercício habitual do gênero, com a qualidade literária dos cronistas Rogério Newton, Cineas Santos, Wellington Soares e José Maria Vasconcelos.
No Brasil, quem deu dignidade literária à crônica foi, sem dúvida, Machado de Assis, que a praticou com o compromisso de quem sabia não ser ela um gênero apequenado, a não ser que o cronista o fosse, como sói (e dói) acontecer. Vinculada ao dia a dia ou rememorativa de eventos que um dia foram do dia, a crônica testemunha e registra, em geral via jornais e agora também por blogues, a história em movimento, a história feita por todos, a história tecida por pessoas comuns.
Se, porém, alguma restrição genérica fosse fazer a cada um dos cronistas antes citados, diria que em Rogério cansa a bandeira ambientalista, em Cineas vige a nostalgia excessiva de uma Teresina provinciana, em Wellington se dá, vez por outra, uma não muito boa expressão erótica, e em Vasconcelos contra ele depõe um moralismo católico e carola. São, como vemos, problemas não estéticos, quase impossíveis de superar-se porque mundividências, cosmovisões, pontos de vista ou, vá lá, ideologias. Na verdade, referi-me a quatro cronistas habituais, todos saborosos de ler, todos com escrita leve, todos provocadores de reflexões sobre a realidade e a vida.
Revelo que esta pequena nota a escrevi a propósito do lançamento do livro O Dia em que Quase Namorei a Xuxa, de Wellington Soares (Teresina, Quimera, 2013, crônicas), que se deu na noite de 21 de agosto de 2013, na Livraria Anchieta. O prefácio com que Ignácio de Loyola Brandão o apresenta não faz propaganda enganosa: é difícil mesmo largar o livrinho de Wellington Soares depois que se o começa a ler e, afora chatos lapsos de revisão, como "exultaram de alegria" (p. 39), “mínimos ... detalhes” (p.55) ou “cria um novo” (p. 59), ou os muitos cochilos na pontuação interrogativa e na exclamativa, penso que estou diante do melhor livro desse autor da Geração de 1970 que, antes, publicou Linguagem dos Sentidos (1992, contos), Maçã Profanada (2003, contos), Por um Triz (2007, crônicas) e Um Beijo na Bunda (2011, crônicas). Como, quando acho importante, não me omito de emitir minha opinião crítica sobre uma publicação, que o tempo dirá se acertada ou não, recordo que fui um dos primeiros que saudaram pela imprensa a estreia literária de Wellington Soares, ali pelos princípios da década de 90. Vinte anos e alguns livros depois, ele nos entrega esse saboroso O Dia em que Quase Namorei a Xuxa, resultado de sua peleja diária com a crônica, labuta que ele adora e cujos frutos nós, os leitores, degustamos. Em O Dia em que Quase Namorei a Xuxa senti desnivelados os textos Coisas de nossa democracia (p. 46-48), este mais para baixo, e Roleta russa (p. 105-107), este mais conto que crônica, mas da leitura da simpática coletânea me fica(ra)m na lembrança três personagens centrais: o angelical Avião, a destemida dona Raimunda e o impagável Tavares.
Resta por fim torcer para que a crônica evolua cada vez mais entre nós e que, por exemplo, um Danilo Damásio, que surgiu como uma esperança no gênero, a retome e torne o quarteto mencionado nesta nota um quinteto, que pode até, a depender do contista J.L. Rocha do Nascimento, virar sexteto.
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*Artigo originalmente publicado no jornal Diário do Povo do Piauí, Opinião, Teresina, 5 set. 2013, p. 18.
**Airton Sampaio é escritor e professor na UFPI
domingo, 14 de abril de 2013
CELSO PINHEIRO, o Poeta Outonal*
Aline
Ferreira Oliveira / Beatrice
Nascimento Monteiro / Ismael
Paulo Cardoso Alves / José
Henrique da Silva Irene**
Há
diversos escritores piauienses à espera de ser reconhecidos. Infelizmente, esse (re)conhecimento ainda se encontra restrito, e
nem sempre em termos nacionais, a um pequeno número de autores, como Da Costa e
Silva, Mário Faustino e Torquato Neto, entre
(poucos) outros. Se mesmo esses têm fortuna crítica escassa, o que dizer dos que não têm obtido nem essa mínima consagração?
Trataremos,
neste artigo, de um excelente poeta, cuja contribuição grande parte da
historiografia literária piauiense praticamente esqueceu: Celso Pinheiro (Barras -PI, 24 nov. 1887, Teresina - PI, 29 jun. 1950, 62 anos). Com exceção de uma rua com seu nome, no bairro Cristo Rei, em Teresina, pouco
lembrado é ele no próprio Piauí, sendo, por vezes, recordado mais por um
fato histórico (ter sido um dos fundadores da Academia Piauiense de Letras) que
pela rica produção literária. Se o (re)conhecimento de Celso Pinheiro é
escasso na terra em que nasceu e militou como poeta, poucas são as
chances de que seja prestigiado nacionalmente,
embora não lhe faltem atributos para isso.
Hardi
Filho, um dos poucos que se dedicaram a estudar e divulgar o
trabalho do poeta, quando incitado por Dilson Lages, em entrevista, respondeu que “o que situa Celso Pinheiro no contexto da
Literatura Piauiense é o mesmo que o situa nacionalmente: sua caracterização.
Diz-se, por exemplo, que Castro Alves foi o Poeta dos Escravos; Augusto dos
Anjos, a quem rendemos preito especial de admiração, é, com muita justeza,
cognominado o Poeta da Morte; [...] Celso Pinheiro é o Poeta do Sofrimento”. Celso não possui uma obra menos representativa que a de
outros poetas brasileiros, como Castro Alves ou Augusto dos Anjos e, como
defende Hardi Filho, está perfeitamente inserido, no contexto da
literatura nacional, pelo “tom melódico-dolorido de sua poesia”.
Celso Pinheiro é um autor
piauiense tanto por vínculo de naturalidade quanto por militância literária, exercida
quase por inteiro no Estado, principalmente em Teresina. Seu
primeiro livro publicado foi Almas Irmãs, em 1907, coletânea de versos editada em parceria com os poetas e amigos Antônio
Chaves e Zito Baptista. À sua parte ele deu o título de Nevroses. Em
1912, publicou, dessa vez individualmente, Flor Incógnita, outro livro de poesia. Segundo Bugyja Brito (1991, p.18), em 1925
foram reunidos poemas de Celso Pinheiro no livro Poesias, que teve os exemplares incinerados pelo próprio poeta, desgostoso
que ficou com as modificações feitas em muitos de seus textos, por ocasião da
revisão gráfica. Em
1939, foi publicada, pela Academia Piauiense de Letras, uma coletânea de poemas
de Celso Pinheiro, os mesmos que constavam na publicação de 1925 e,
curiosamente, com o mesmo título: Poesias.
Celso
Pinheiro deixou ainda uma série de trabalhos inéditos, organizados por ele
mesmo para uma posterior publicação, que nunca aconteceu. Sua obra completa
reúne prosa e poesia e tem, provavelmente, como um dos motivos de sua escassa
divulgação, as inimizades políticas que adquiriu em decorrência das críticas aos políticos locais. Além disso, o fato de ter a maior parte da militância literária em Teresina contribuiu
para que não lograsse a notoriedade, por exemplo, de um Da Costa e Silva, que publicou
livros fora do Piauí.
Celso Pinheiro integrou a Geração de 1900, fazendo parte do segmento literário mais significativo da época, o Grupo Acadêmico, fundador da APL. Sua obra apresenta características
parnasianas na forma, como o rigor estético e a perfeição métrica, e simbolistas nas temáticas abordadas e na construção de imagens e alegorias que
representam o estado de angústia do ser.
A
dor perpassa a obra poética de Celso Pinheiro. Não a dor momentânea do
amor rejeitado, nem a dor fisiológica da tuberculose (dela o poeta padecia e de suas consequências faleceu), mas uma dor
mais profunda, permanente, existencial: a de viver. A dor do ser que vive
e, vivendo, pensa, e pensando, sofre. A dor de ser e se saber maldito.
Celso
Pinheiro fez o que Hardi Filho chama de “panegírico da dor”, sendo algo
semelhante dito pelo também poeta Celso Pinheiro
Filho (apud PINHEIRO, 1939, p.03), que se dirigindo ao pai fala que “você traça em seus
versos retalhos de retratos da miséria humana, mas não mostra o caminho para
sair desta miséria. Pelo contrário, elogia-a. [...] Você faz o elogio da dor,
eu detesto-a. [...]. Mas apesar de seu subjetivismo seus versos são
profundamente humanos e sociais. Retratam sombras de um passado mesclado com
pedaços de um presente, ambos de descalabros”.O
que é retratado nos versos de Celso Pinheiro é a própria miséria da condição
humana e o aparente subjetivismo da poesia de Celso disfarça, na verdade, a dor
universal, que lhe permeia os poemas. E, como registra o filho, não há, nesses
poemas, resistência contra a dor, nem luta ou contestação; pelo
contrário, a dor é louvada, exaltada, bendita, como se vê, por exemplo, no
poema Spleen:
“Bendita
seja a minha Dor! Bendito
Seja
o punho de amor do Sentimento
Que
me prega na cruz do Pensamento,
Com marteladas
secas do Infinito...
[…]
Pois
bendito é quem possui ao menos
Entre
tanta inconsciência dolorosa,
A
consciência de ser um Desgraçado!”
Em Spleen, através da imagem de um ser sendo pregado na cruz, que remete ao
sofrimento contrito de Cristo, o eu-lírico retrata a desgraça inerente à
existência humana: o ser racional é destinado a sofrer e meditar sobre o próprio sofrimento enquanto vive, como um condenado, resignado à dor de
conhecer seu fado. A dor, tal como versa Cruz e Sousa, “transcendentaliza”
(o verso figura como epígrafe de Poesias), porque leva o ser ao reconhecimento de sua condição e à
compreensão de sua miséria.
O
pessimismo de Celso Pinheiro o aproxima da poética do português Antero de Quental e do brasileiro Augusto dos Anjos.
Quental é, inclusive, citado por Celso:
“Antero
do Quental, de áureas correntes
Filosóficas,
cheias de tortura,
Dá-me
o braço no lodo da Amargura,
Ante
o fuzil de dúvidas horrentes”
Como se vê, o eu-lírico convida o poeta português a, junto dele, enfrentar a amargura e as
dúvidas que lhe permeiam a existência. No
seu aspecto mais sombrio, a poesia de Celso assemelha-se à de Augusto dos
Anjos, o Poeta da Morte, que também sofria de tuberculose. com efeito, em Os Doentes III, Augusto verseja:
“Expulsar, aos bocados, a
existência
Numa bacia autômata de barro
Alucinado, vendo em cada escarro
O retrato da própria consciência”.
A
imagem evoca a angústia de assistir à própria degradação e de sentir cada vez
mais palpável a certeza do próprio fim. Sentimento semelhante é descrito em Doentes: Tísico, poema de Celso Pinheiro:
“Tosse que me laceras e me cortas!
Eu julgo-te um martelo impertinente
Pregando o meu caixão às horas mortas".
O
poeta dirige-se à própria tosse, comparando-a a um martelo, a pregar-lhe o
caixão todas as noites. A metáfora construída é semelhante à imagem presente em Spleen: marteladas sem fim que não permitem ao eu-lírico
esquecer-se da própria desgraça. Na poesia de Celso, não há paz para o
ser consciente da angústia de viver. Até
mesmo Hino da Maldição, poema escrito para o seu aniversário, canta o sofrimento e a miséria humana:
“E
tudo degenere neste dia,
Porque, abandonando a crença pura,
O próprio Deus desfez-se em heresia
Pois sabeis que no dia que hoje passa
Minha mãe, que era a Santa da Ternura,
Deu à luz a um Aborto da Desgraça!”
As
imagens construídas (Deus desfazendo-se em heresia, uma “santa” dando à luz a
um aborto) são blasfemas e refletem o pessimismo do eu-lírico. Em outro poema
de Celso Pinheiro, Túnica dos Vermes, percebemos como um elemento imaterial, a
morte, é simbolizado através da construção da imagem de um elemento material,
que dá título ao texto:
“Ante
os meus sonhos pálidos, inermes
O
coveiro, a coruja e mestre Outono
Virão vestir-me a túnica dos vermes...”
Essa túnica, à qual o eu-lírico se refere, corporifica a degradação,
a putrefação, a miséria que aguarda o homem ao final da existência.
Celso Pinheiro é, pois, um dos grandes nomes da literatura brasileira de
autores piauienses tanto pela sofisticação de sua linguagem e das imagens que
constrói em seus poemas, quanto pelo cunho filosófico de seus versos, que
abordam a existência humana no que ela possui de mais árduo: o sofrimento.
Resta, então, a sempre incômoda pergunta: Por que um poeta com qualidades estéticas e
conteudísticas suficientes para ser considerado um dos grandes nomes do
Simbolismo brasileiro não logra (re)conhecimento nem sequer em no Estado de
origem?
A resposta é que talvez nós, piauienses, ainda não
aprendemos a valorizar os melhores valores. Ainda estamos presos ao
que a TV diz que é bom, ao que os grandes jornais e sites divulgam, ao que o livro didático de literatura nacional escrito no sul do país
registra como canônico, e nos esquecemos de olhar para nós mesmos. Conhecer a literatura brasileira feita por autores piauienses (que nada deve à literatura brasileira escrita por
autores maranhenses, pernambucanos, paranaenses, paulistas, cariocas, etc) é o primeiro passo para divulgá-la e, assim, não
deixar que artistas genuínos caiam num abjeto e injusto ostracismo.
Grandes escritores, e Celso Pinheiro é um deles, o
Piauí tem. O que não temos tido é sensibilidade para (re)conhecê-los e os estudarmos, cada vez
mais, em profundidade.
REFERÊNCIAS
BRITTO,
Bugyja. Três artífices do verso. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 1991.
LAGES, Dilson. Entrevista com Hardi Filho.
Disponível em:
http://www.portalentretextos.com.br/dicionario-de-escritores/celso-pinheiro,50. Acesso em: 18/02/2013.
MATOS,
José Miguel de. Antologia poética piauiense. Rio de Janeiro:
Artenova,1974.
MORAES,
Herculano. Visão histórica da literatura piauiense. 4 ed. Teresina:
Comepi, 1997.
NUNES,
Bárbara Silva. Celso Pinheiro e a vertigem da dor. Disponível em:
http://www.nupill.org/mafua/index.phd. Acesso em: 18/02/2013.
PINHEIRO,
Celso. Poesias. Teresina: APL, 1939.
Disponível em: http://www.mafua.ufsc.br/numero13/obrararacelso.pdf. Acesso em:
20/02/2013.
SAMPAIO,
Airton. Literatura brasileira de autores piauienses: a falta que uma crítica militante faz. Disponível em:
http://airtonsampaio.blogspot.com.br. Acesso em: 18/01/2013.
_____. Literatura brasileira de autores piauienses: uma definição necessária. Disponível em:
http://airtonsampaio.blogspot.com.br. Acesso em: 18/01/2013.
_____. Literatura brasileira de autores piauienses: uma historiografia sem rigor. Disponível em:
http://airtonsampaio.blogspot.com.br. Acesso em: 18/01/2013.
*Artigo
produzido na disciplina Literatura Nacional: Autores Piauienses, ministrada na
UFPI, em 2013/2, pelo professor Airton Sampaio.
**Estudantes
de Letras na UFPI.
domingo, 3 de fevereiro de 2013
A FACE OCULTA DA LITERATURA PIAUIENSE, DE DANIEL CIARLINI: Enfim, uma Crítica Historiográfica Abalizada!
Airton
Sampaio*
Habituado a abordagens
historiográficas pouco rigorosas acerca da Literatura brasileira de autores
piauienses, deparei, com satisfação, com o livro A Face Oculta da Literatura
Piauiense, de Daniel Castello Branco Ciarlini (Parnaíba, 2012, v.1, 321p), um
conjunto de ensaios estético-historiográficos sobre Ovídio Saraiva de
Carvalho e Silva (Parnaíba, 1786, Piraí-Rio, 1852), Leonardo da Senhora
das Dores Castello-Branco (Fazenda Taboca, Parnaíba, hoje em Esperantina,
1789-1873), Luísa Amélia de Queiroz Brandão (Piracuruca, 1838, Parnaíba,
1898), Jonas Fontenelle da Silva (Parnaíba, 1880, Manaus, 1947), Berilo
da Fonseca Neves (Parnaíba, 1899, Rio, 1974) e a Geração Bem-Bem, não
por acaso autores parnaibanos, pois trata mesmo esse primeiro volume (de cinco
projetados) de, segundo o autor, uma “literatura parnaibana”.
A primeira dificuldade que encontrei
foi a de adquirir um exemplar. No email disponiblizado (opiagui@hotmail.com)
por Elmar Carvalho, em artigo lido no blog de Kenard Kruel (http://krudu.blogspot.com.br),
o autor nem sequer se dignou de respondeu aos pedidos de aquisição feitos, num
amadorismo editorial que grassa entre nós e que tenho amiúde criticado. Exemplar
a custo conseguido, foi enorme o contentamento ao ler ensaios
estético-historiográficos muito bem escritos (apesar de uns muito pedantes pour soi) e direcionados por um rigor
que não se costuma ver na historiografia literária capenga feita na Fazenda
Piauí desde João Pinheiro. Danilo mostra,
no livro, coragem suficiente para contestar afirmações equivocadas que se têm
perpetuado no tempo pela via da repetição barata subsequente à de quem afirmou
a tolice, como no caso da lamentável diatribe de Clodoaldo Freitas ao poeta
Leonardo Castello Branco, aliás por mim há muito denunciada como a Maldição de
Clodoaldo Freitas, pois já atrapalhou bastante que se percebesse, pelo menos
entre os escrevinhadores sem opinião própria, a óbvia qualidade poética
leonardina. Confesso ainda que cismei com o título da obra, que me pareceu,
essa tal Face Oculta, algo muito apelativo, para não dizer sensacionalista,
pois certamente opções melhores existiam, como existem, sim, problemas de
conteúdo nos ensaios, o que é normal, afinal não se há de acertar sempre.
Prova disso é a forçação de barra que
ocorre em vários momentos, em vários ensaios, em busca de uma revalorização
excessiva de certos autores parnaibanos (não falo de Jonas da Silva, talvez o
maior simbolista brasileiro) cujas obras jazem, infelizmente, no limbo da
inexistente política cultural piauiense, eles que nem precisam que sejam assim
esticados, pois têm e merecem o seu justo valor, na exata medida. Outro exemplo
do uso de fórceps por Ciarlini é dizer que Ovídio Saraiva pode ser incluso na
primeira Geração romântica brasileira, em razão de poemas que Daniel tem como nacionalistas
e identitários, mas estão mais próximos de serem apenas patrioteiros e
oportunistas, aliás esta uma postura política facilmente perceptível no autor
de Poemas (Coimbra, 1808), que mudava a casaca ao sabor dos eventos. Ademais,
uma afirmação dessa ordem pode trazer a consequência (lógica) de se tomar o
poeta “brasileiro de nascimento e português de formação” como o introdutor, em
1808, do romantismo no Brasil, com Poemas, uma vez que publicado 28 anos antes de
Suspiros Poéticos e Saudades, de Gonçalves de Magalhães! Ora, Ovídio não é, na
essência, um romântico, mas um neoclássico e, a bem da verdade, um Diluidor
(segundo a categorização de Ezra Pound para os escritores: inventores, mestres,
criadores, diluidores) de Camões e Bocage, fato estético que, por ser fato
estético, não se lhe deve deixar de imputar, sem causar desonra ao poeta. Ovídio
Saraiva é o poeta que, sem dúvida alguma, inicia a Literatura brasileira de
autores piauienses, o que já se lhe faz, pelo menos neste ponto, a devida
justiça! Não há dúvida também de que a essência artística do grande poeta Leonardo
Castello Branco é o barroco, ainda que tardio, até mesmo pelo seu engajamento
em favor do catolicismo, para o que, aliás, o barroco surgiu, como reação à
Reforma protestante. Leonardo é, e isso parece ululante, um combatente
católico, quase um cruzado!
Nada disso, porém, diminui em nem um
milímetro os méritos do livro de Daniel Ciarlini, uma lufada de esperança de
que realmente tenha vigência entre nós uma crítica historiográfica consistente
e orgânica, como a que ele faz, sem desleixos injustificáveis nem
ultrassubjetivismos sem base, do tipo que classifica os escritores piauienses
entre “os que saíram do Estado e os que não saíram”, repetindo isso o vezo personalíssimo
de João Pinheiro que, receoso de desagradar aos contemporâneos, só incluiu no
seu Literatura Piauiense: escorço histórico (Teresina, 1937) apenas os que,
àquela altura, já estavam falecidos, deixando assim de fora de seu corpus de
autores ninguém menos que Da Costa e Silva (Amarante, 1885, Rio, 1950)! O crime
de Da Costa e Silva? Estar vivo!
A excelente notícia é que Daniel
Ciarlini anuncia mais quatro volumes de A Face Oculta da Literatura Piauiense,
nos quais pode, ao anunciar um autor, indicar-lhe logo, entre parênteses, lugar
e ano de nascimento e, se for o caso, de falecimento, que isso situa de pronto
o leitor sobre o seu tempo e o seu espaço. Promessa é dívida!
______________________________
*Airton
Sampaio é escritor (Grupo Tarântula de Contistas), crítico literário e
professor de língua portuguesa e literatura brasileira na Ufpi.
FONTE: Diário do Povo do Piauí, caderno Galeria, página Cultura, coluna Crítica. Teresina, 03 fev. 2013, p. 18.