Airton
Sampaio*
Habituado a abordagens
historiográficas pouco rigorosas acerca da Literatura brasileira de autores
piauienses, deparei, com satisfação, com o livro A Face Oculta da Literatura
Piauiense, de Daniel Castello Branco Ciarlini (Parnaíba, 2012, v.1, 321p), um
conjunto de ensaios estético-historiográficos sobre Ovídio Saraiva de
Carvalho e Silva (Parnaíba, 1786, Piraí-Rio, 1852), Leonardo da Senhora
das Dores Castello-Branco (Fazenda Taboca, Parnaíba, hoje em Esperantina,
1789-1873), Luísa Amélia de Queiroz Brandão (Piracuruca, 1838, Parnaíba,
1898), Jonas Fontenelle da Silva (Parnaíba, 1880, Manaus, 1947), Berilo
da Fonseca Neves (Parnaíba, 1899, Rio, 1974) e a Geração Bem-Bem, não
por acaso autores parnaibanos, pois trata mesmo esse primeiro volume (de cinco
projetados) de, segundo o autor, uma “literatura parnaibana”.
A primeira dificuldade que encontrei
foi a de adquirir um exemplar. No email disponiblizado (opiagui@hotmail.com)
por Elmar Carvalho, em artigo lido no blog de Kenard Kruel (http://krudu.blogspot.com.br),
o autor nem sequer se dignou de respondeu aos pedidos de aquisição feitos, num
amadorismo editorial que grassa entre nós e que tenho amiúde criticado. Exemplar
a custo conseguido, foi enorme o contentamento ao ler ensaios
estético-historiográficos muito bem escritos (apesar de uns muito pedantes pour soi) e direcionados por um rigor
que não se costuma ver na historiografia literária capenga feita na Fazenda
Piauí desde João Pinheiro. Danilo mostra,
no livro, coragem suficiente para contestar afirmações equivocadas que se têm
perpetuado no tempo pela via da repetição barata subsequente à de quem afirmou
a tolice, como no caso da lamentável diatribe de Clodoaldo Freitas ao poeta
Leonardo Castello Branco, aliás por mim há muito denunciada como a Maldição de
Clodoaldo Freitas, pois já atrapalhou bastante que se percebesse, pelo menos
entre os escrevinhadores sem opinião própria, a óbvia qualidade poética
leonardina. Confesso ainda que cismei com o título da obra, que me pareceu,
essa tal Face Oculta, algo muito apelativo, para não dizer sensacionalista,
pois certamente opções melhores existiam, como existem, sim, problemas de
conteúdo nos ensaios, o que é normal, afinal não se há de acertar sempre.
Prova disso é a forçação de barra que
ocorre em vários momentos, em vários ensaios, em busca de uma revalorização
excessiva de certos autores parnaibanos (não falo de Jonas da Silva, talvez o
maior simbolista brasileiro) cujas obras jazem, infelizmente, no limbo da
inexistente política cultural piauiense, eles que nem precisam que sejam assim
esticados, pois têm e merecem o seu justo valor, na exata medida. Outro exemplo
do uso de fórceps por Ciarlini é dizer que Ovídio Saraiva pode ser incluso na
primeira Geração romântica brasileira, em razão de poemas que Daniel tem como nacionalistas
e identitários, mas estão mais próximos de serem apenas patrioteiros e
oportunistas, aliás esta uma postura política facilmente perceptível no autor
de Poemas (Coimbra, 1808), que mudava a casaca ao sabor dos eventos. Ademais,
uma afirmação dessa ordem pode trazer a consequência (lógica) de se tomar o
poeta “brasileiro de nascimento e português de formação” como o introdutor, em
1808, do romantismo no Brasil, com Poemas, uma vez que publicado 28 anos antes de
Suspiros Poéticos e Saudades, de Gonçalves de Magalhães! Ora, Ovídio não é, na
essência, um romântico, mas um neoclássico e, a bem da verdade, um Diluidor
(segundo a categorização de Ezra Pound para os escritores: inventores, mestres,
criadores, diluidores) de Camões e Bocage, fato estético que, por ser fato
estético, não se lhe deve deixar de imputar, sem causar desonra ao poeta. Ovídio
Saraiva é o poeta que, sem dúvida alguma, inicia a Literatura brasileira de
autores piauienses, o que já se lhe faz, pelo menos neste ponto, a devida
justiça! Não há dúvida também de que a essência artística do grande poeta Leonardo
Castello Branco é o barroco, ainda que tardio, até mesmo pelo seu engajamento
em favor do catolicismo, para o que, aliás, o barroco surgiu, como reação à
Reforma protestante. Leonardo é, e isso parece ululante, um combatente
católico, quase um cruzado!
Nada disso, porém, diminui em nem um
milímetro os méritos do livro de Daniel Ciarlini, uma lufada de esperança de
que realmente tenha vigência entre nós uma crítica historiográfica consistente
e orgânica, como a que ele faz, sem desleixos injustificáveis nem
ultrassubjetivismos sem base, do tipo que classifica os escritores piauienses
entre “os que saíram do Estado e os que não saíram”, repetindo isso o vezo personalíssimo
de João Pinheiro que, receoso de desagradar aos contemporâneos, só incluiu no
seu Literatura Piauiense: escorço histórico (Teresina, 1937) apenas os que,
àquela altura, já estavam falecidos, deixando assim de fora de seu corpus de
autores ninguém menos que Da Costa e Silva (Amarante, 1885, Rio, 1950)! O crime
de Da Costa e Silva? Estar vivo!
A excelente notícia é que Daniel
Ciarlini anuncia mais quatro volumes de A Face Oculta da Literatura Piauiense,
nos quais pode, ao anunciar um autor, indicar-lhe logo, entre parênteses, lugar
e ano de nascimento e, se for o caso, de falecimento, que isso situa de pronto
o leitor sobre o seu tempo e o seu espaço. Promessa é dívida!
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*Airton
Sampaio é escritor (Grupo Tarântula de Contistas), crítico literário e
professor de língua portuguesa e literatura brasileira na Ufpi.
FONTE: Diário do Povo do Piauí, caderno Galeria, página Cultura, coluna Crítica. Teresina, 03 fev. 2013, p. 18.
Um comentário:
Como disse, não possuo o email de Daniel Ciarlini.
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