Aline
Ferreira Oliveira / Beatrice
Nascimento Monteiro / Ismael
Paulo Cardoso Alves / José
Henrique da Silva Irene**
Há
diversos escritores piauienses à espera de ser reconhecidos. Infelizmente, esse (re)conhecimento ainda se encontra restrito, e
nem sempre em termos nacionais, a um pequeno número de autores, como Da Costa e
Silva, Mário Faustino e Torquato Neto, entre
(poucos) outros. Se mesmo esses têm fortuna crítica escassa, o que dizer dos que não têm obtido nem essa mínima consagração?
Trataremos,
neste artigo, de um excelente poeta, cuja contribuição grande parte da
historiografia literária piauiense praticamente esqueceu: Celso Pinheiro (Barras -PI, 24 nov. 1887, Teresina - PI, 29 jun. 1950, 62 anos). Com exceção de uma rua com seu nome, no bairro Cristo Rei, em Teresina, pouco
lembrado é ele no próprio Piauí, sendo, por vezes, recordado mais por um
fato histórico (ter sido um dos fundadores da Academia Piauiense de Letras) que
pela rica produção literária. Se o (re)conhecimento de Celso Pinheiro é
escasso na terra em que nasceu e militou como poeta, poucas são as
chances de que seja prestigiado nacionalmente,
embora não lhe faltem atributos para isso.
Hardi
Filho, um dos poucos que se dedicaram a estudar e divulgar o
trabalho do poeta, quando incitado por Dilson Lages, em entrevista, respondeu que “o que situa Celso Pinheiro no contexto da
Literatura Piauiense é o mesmo que o situa nacionalmente: sua caracterização.
Diz-se, por exemplo, que Castro Alves foi o Poeta dos Escravos; Augusto dos
Anjos, a quem rendemos preito especial de admiração, é, com muita justeza,
cognominado o Poeta da Morte; [...] Celso Pinheiro é o Poeta do Sofrimento”. Celso não possui uma obra menos representativa que a de
outros poetas brasileiros, como Castro Alves ou Augusto dos Anjos e, como
defende Hardi Filho, está perfeitamente inserido, no contexto da
literatura nacional, pelo “tom melódico-dolorido de sua poesia”.
Celso Pinheiro é um autor
piauiense tanto por vínculo de naturalidade quanto por militância literária, exercida
quase por inteiro no Estado, principalmente em Teresina. Seu
primeiro livro publicado foi Almas Irmãs, em 1907, coletânea de versos editada em parceria com os poetas e amigos Antônio
Chaves e Zito Baptista. À sua parte ele deu o título de Nevroses. Em
1912, publicou, dessa vez individualmente, Flor Incógnita, outro livro de poesia. Segundo Bugyja Brito (1991, p.18), em 1925
foram reunidos poemas de Celso Pinheiro no livro Poesias, que teve os exemplares incinerados pelo próprio poeta, desgostoso
que ficou com as modificações feitas em muitos de seus textos, por ocasião da
revisão gráfica. Em
1939, foi publicada, pela Academia Piauiense de Letras, uma coletânea de poemas
de Celso Pinheiro, os mesmos que constavam na publicação de 1925 e,
curiosamente, com o mesmo título: Poesias.
Celso
Pinheiro deixou ainda uma série de trabalhos inéditos, organizados por ele
mesmo para uma posterior publicação, que nunca aconteceu. Sua obra completa
reúne prosa e poesia e tem, provavelmente, como um dos motivos de sua escassa
divulgação, as inimizades políticas que adquiriu em decorrência das críticas aos políticos locais. Além disso, o fato de ter a maior parte da militância literária em Teresina contribuiu
para que não lograsse a notoriedade, por exemplo, de um Da Costa e Silva, que publicou
livros fora do Piauí.
Celso Pinheiro integrou a Geração de 1900, fazendo parte do segmento literário mais significativo da época, o Grupo Acadêmico, fundador da APL. Sua obra apresenta características
parnasianas na forma, como o rigor estético e a perfeição métrica, e simbolistas nas temáticas abordadas e na construção de imagens e alegorias que
representam o estado de angústia do ser.
A
dor perpassa a obra poética de Celso Pinheiro. Não a dor momentânea do
amor rejeitado, nem a dor fisiológica da tuberculose (dela o poeta padecia e de suas consequências faleceu), mas uma dor
mais profunda, permanente, existencial: a de viver. A dor do ser que vive
e, vivendo, pensa, e pensando, sofre. A dor de ser e se saber maldito.
Celso
Pinheiro fez o que Hardi Filho chama de “panegírico da dor”, sendo algo
semelhante dito pelo também poeta Celso Pinheiro
Filho (apud PINHEIRO, 1939, p.03), que se dirigindo ao pai fala que “você traça em seus
versos retalhos de retratos da miséria humana, mas não mostra o caminho para
sair desta miséria. Pelo contrário, elogia-a. [...] Você faz o elogio da dor,
eu detesto-a. [...]. Mas apesar de seu subjetivismo seus versos são
profundamente humanos e sociais. Retratam sombras de um passado mesclado com
pedaços de um presente, ambos de descalabros”.O
que é retratado nos versos de Celso Pinheiro é a própria miséria da condição
humana e o aparente subjetivismo da poesia de Celso disfarça, na verdade, a dor
universal, que lhe permeia os poemas. E, como registra o filho, não há, nesses
poemas, resistência contra a dor, nem luta ou contestação; pelo
contrário, a dor é louvada, exaltada, bendita, como se vê, por exemplo, no
poema Spleen:
“Bendita
seja a minha Dor! Bendito
Seja
o punho de amor do Sentimento
Que
me prega na cruz do Pensamento,
Com marteladas
secas do Infinito...
[…]
Pois
bendito é quem possui ao menos
Entre
tanta inconsciência dolorosa,
A
consciência de ser um Desgraçado!”
Em Spleen, através da imagem de um ser sendo pregado na cruz, que remete ao
sofrimento contrito de Cristo, o eu-lírico retrata a desgraça inerente à
existência humana: o ser racional é destinado a sofrer e meditar sobre o próprio sofrimento enquanto vive, como um condenado, resignado à dor de
conhecer seu fado. A dor, tal como versa Cruz e Sousa, “transcendentaliza”
(o verso figura como epígrafe de Poesias), porque leva o ser ao reconhecimento de sua condição e à
compreensão de sua miséria.
O
pessimismo de Celso Pinheiro o aproxima da poética do português Antero de Quental e do brasileiro Augusto dos Anjos.
Quental é, inclusive, citado por Celso:
“Antero
do Quental, de áureas correntes
Filosóficas,
cheias de tortura,
Dá-me
o braço no lodo da Amargura,
Ante
o fuzil de dúvidas horrentes”
Como se vê, o eu-lírico convida o poeta português a, junto dele, enfrentar a amargura e as
dúvidas que lhe permeiam a existência. No
seu aspecto mais sombrio, a poesia de Celso assemelha-se à de Augusto dos
Anjos, o Poeta da Morte, que também sofria de tuberculose. com efeito, em Os Doentes III, Augusto verseja:
“Expulsar, aos bocados, a
existência
Numa bacia autômata de barro
Alucinado, vendo em cada escarro
O retrato da própria consciência”.
A
imagem evoca a angústia de assistir à própria degradação e de sentir cada vez
mais palpável a certeza do próprio fim. Sentimento semelhante é descrito em Doentes: Tísico, poema de Celso Pinheiro:
“Tosse que me laceras e me cortas!
Eu julgo-te um martelo impertinente
Pregando o meu caixão às horas mortas".
O
poeta dirige-se à própria tosse, comparando-a a um martelo, a pregar-lhe o
caixão todas as noites. A metáfora construída é semelhante à imagem presente em Spleen: marteladas sem fim que não permitem ao eu-lírico
esquecer-se da própria desgraça. Na poesia de Celso, não há paz para o
ser consciente da angústia de viver. Até
mesmo Hino da Maldição, poema escrito para o seu aniversário, canta o sofrimento e a miséria humana:
“E
tudo degenere neste dia,
Porque, abandonando a crença pura,
O próprio Deus desfez-se em heresia
Pois sabeis que no dia que hoje passa
Minha mãe, que era a Santa da Ternura,
Deu à luz a um Aborto da Desgraça!”
As
imagens construídas (Deus desfazendo-se em heresia, uma “santa” dando à luz a
um aborto) são blasfemas e refletem o pessimismo do eu-lírico. Em outro poema
de Celso Pinheiro, Túnica dos Vermes, percebemos como um elemento imaterial, a
morte, é simbolizado através da construção da imagem de um elemento material,
que dá título ao texto:
“Ante
os meus sonhos pálidos, inermes
O
coveiro, a coruja e mestre Outono
Virão vestir-me a túnica dos vermes...”
Essa túnica, à qual o eu-lírico se refere, corporifica a degradação,
a putrefação, a miséria que aguarda o homem ao final da existência.
Celso Pinheiro é, pois, um dos grandes nomes da literatura brasileira de
autores piauienses tanto pela sofisticação de sua linguagem e das imagens que
constrói em seus poemas, quanto pelo cunho filosófico de seus versos, que
abordam a existência humana no que ela possui de mais árduo: o sofrimento.
Resta, então, a sempre incômoda pergunta: Por que um poeta com qualidades estéticas e
conteudísticas suficientes para ser considerado um dos grandes nomes do
Simbolismo brasileiro não logra (re)conhecimento nem sequer em no Estado de
origem?
A resposta é que talvez nós, piauienses, ainda não
aprendemos a valorizar os melhores valores. Ainda estamos presos ao
que a TV diz que é bom, ao que os grandes jornais e sites divulgam, ao que o livro didático de literatura nacional escrito no sul do país
registra como canônico, e nos esquecemos de olhar para nós mesmos. Conhecer a literatura brasileira feita por autores piauienses (que nada deve à literatura brasileira escrita por
autores maranhenses, pernambucanos, paranaenses, paulistas, cariocas, etc) é o primeiro passo para divulgá-la e, assim, não
deixar que artistas genuínos caiam num abjeto e injusto ostracismo.
Grandes escritores, e Celso Pinheiro é um deles, o
Piauí tem. O que não temos tido é sensibilidade para (re)conhecê-los e os estudarmos, cada vez
mais, em profundidade.
REFERÊNCIAS
BRITTO,
Bugyja. Três artífices do verso. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 1991.
LAGES, Dilson. Entrevista com Hardi Filho.
Disponível em:
http://www.portalentretextos.com.br/dicionario-de-escritores/celso-pinheiro,50. Acesso em: 18/02/2013.
MATOS,
José Miguel de. Antologia poética piauiense. Rio de Janeiro:
Artenova,1974.
MORAES,
Herculano. Visão histórica da literatura piauiense. 4 ed. Teresina:
Comepi, 1997.
NUNES,
Bárbara Silva. Celso Pinheiro e a vertigem da dor. Disponível em:
http://www.nupill.org/mafua/index.phd. Acesso em: 18/02/2013.
PINHEIRO,
Celso. Poesias. Teresina: APL, 1939.
Disponível em: http://www.mafua.ufsc.br/numero13/obrararacelso.pdf. Acesso em:
20/02/2013.
SAMPAIO,
Airton. Literatura brasileira de autores piauienses: a falta que uma crítica militante faz. Disponível em:
http://airtonsampaio.blogspot.com.br. Acesso em: 18/01/2013.
_____. Literatura brasileira de autores piauienses: uma definição necessária. Disponível em:
http://airtonsampaio.blogspot.com.br. Acesso em: 18/01/2013.
_____. Literatura brasileira de autores piauienses: uma historiografia sem rigor. Disponível em:
http://airtonsampaio.blogspot.com.br. Acesso em: 18/01/2013.
*Artigo
produzido na disciplina Literatura Nacional: Autores Piauienses, ministrada na
UFPI, em 2013/2, pelo professor Airton Sampaio.
**Estudantes
de Letras na UFPI.
2 comentários:
Olá =D
Sou joão atualmente onde residia o poeta celso pinheiro é hoje o condôminio poeta celso pinheiro na rua celso pinheiro no bairro cristo rei.
eu atualmente trabalho no ato de inserir e transformar livros dele em e-book, =D espero que logo esteja pronto muito ancioso e é bom de mais hoje ver isso que pessoas tentam buscar sobre ele.
a esposa dele ainda é viva rosa pinheiro minha vô de criação.
facebook/sonicjef
0/
Eu atualmente trabalhando na tentativa de transformar o livro história da imprensa no piauí escrito por ele em um E-Book e encontro um post desse recente para a minha inspiração vamo que vamo !!
facebook/sonicjef
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