segunda-feira, 26 de novembro de 2012

LITERATURA BRASILEIRA DE AUTORES PIAUIENSES: uma definição necessária

AIRTON SAMPAIO

Mantive, durante mais ou menos três anos, inúmeras conversas de trabalho com o poeta Paulo Machado, interrompidas pelos sortilégios que se abateram sobre minha vida, as quais tinham como objetivo a elaboração de um livro didático, com título não definido, que trataria de uma periodização o mais possível rigorosa da Literatura Brasileira de Autores Piauienses (LBAP). Chegamos então, ao cotejar as diversas periodizações já propostas, à solar conclusão de que todas, sem sequer uma exceção, se caracterizam pela falta do rigor metodológico indispensável a uma pesquisa, o que não raro resultou em ultrassubjetivismos arbitrários, permeados por imprecisões decorrentes de desleixos injustificáveis. Com efeito, de João Pinheiro a Luís Romero Lima, passando por Herculano Morais, Francisco Miguel de Moura e Adrião Neto, há, a despeito das inegáveis contribuições oferecidas, desde propostas esdrúxulas até categorias conceituais pessimamente laboradas de que, neste artigo, se darão alguns exemplos. 
É o caso do uso, inadequadamente feito, da categoria vanguarda. Ora, não devia ser novidade para ninguém que esse termo, que vem do francês avant-garde (“postar-se à frente”), não pode ser utilizado para abrigar sob o seu apertadíssimo guarda-chuva qualquer artista, por melhor que ele seja, apenas a talante do gosto do historiógrafo, como se dá com Herculano Morais, Francisco Miguel de Moura e Luís Romero Lima, que chegam ao absurdo de categorizar como vanguardistas autores que nem Fontes Ibiapina, escritor tradicionalíssimo, e José Magalhães da Costa, seguidor estético-temático de Fontes e que de vanguardista também não tem nada, autor que é de uma contística regionalista excessivamente presa a ditos e causos e assim a anos-luz de uma literatura de ruptura estética com a tradição conservadora, que é isso que é, em síntese, uma arte de vanguarda, uma ruptura estética radical com o passado. Aliás, na LBAP o único artista que pode ser chamado de vanguardista, com o devido rigor que a palavra requer, é Torquato Neto, que nas diversas linguagens que praticou (literatura, cinema, jornalismo, etc) o fez sempre de maneira ruptorial e numa perspectiva experimental de radical renovação, o que não se pode dizer nem do genial Mario Faustino que, mesmo aberto às experimentações alheias (vide sua página Poesia-Experiência, no SDJB, 1956-1958), como a dos concretos, aos quais destemidamente apoiou, jungido no entanto ficou, conscientemente, ao verso (o “último verse-maker”, nas palavras de Augusto de Campos) e em geral verso clássico, que expressa uma mundividência oriunda da tradição greco-romana. Assis Brasil? Afora os peculiares romances “Beira Rio, Beira Vida”, “Os Que bebem como os Cães” e “Deus, o Sol, Shakespeare”, que de fato se aproximam de uma atitude de vanguarda porque são, em certa medida, inovadores e ruptoriais, exceto essas três obras as demais de Assis Brasil não devem ser, com a necessária precisão teórica, apodadas de vanguardistas. 
Outro problema assaz presente na historiografia referente à LBAP é a confusão, fácil de ser desfeita mas insistentemente reiterada, que os historiógrafos piauienses difundem entre Geração literária e Grupo literário. Denominam, por exemplo, de Geração Meridiano e Geração Clip o que, na verdade, são Grupos literários: o GRUPO MERIDIANO, formado no âmago da Geração de 1945 (veja-se que o próprio Mario Faustino, que é da Geração de 1945, não integrou o GRUPO MERIDIANO, que contou com O G. Rego de Carvalho, H. Dobal, Vítor Gonçalves Neto, etc), e o GRUPO CLIP, constituído no interior da Geração de 1960 (veja-se que o próprio Torquato Neto, que é da Geração de 1960, muito longe esteve de integrar o GRUPO CLIP, que contou com Francisco Miguel de Moura, Herculano Morais, Hardi Filho, etc). Não há também, nesse sentido, na LBAP, uma Geração Acadêmica ou Áurea, mas a brilhantíssima Geração de 1900, na qual indubitavelmente se sobressaiu o seminal GRUPO ACADÊMICO (Lucídio Freitas, Clodoaldo Freitas, Baurélio Mangabeira, etc). 
Não bastassem essas impropriedades todas , existem ainda os desleixos injustificados, muitas vezes estapafúrdios, entre os quais avulta a nominação errônea não de um escritor qualquer, mas do primeiro grande poeta do Piauí --- LEONARDO DA SENHORA DAS DORES CASTELLO-BRANCO, que ele mesmo ASSIM assina, mas insistentemente grafado, inclusive pela festejada professora-doutora-pesquisadora Teresinha Queirós, como Leonardo de Nossa Senhora das Dores Castelo Branco, um erro talvez cometido em primeiro lugar por João Pinheiro e depois reproduzido por quase todos os que opinaram sobre a obra do autor do magnífico poema “A Creação Universal” sem, provavelmente, a terem sequer lido, já que nem o nome artístico do Poeta escrevem com correção. Ademais, ainda que relacionados e mesmo que o primeiro às vezes possa ser ao segundo igualado, por demais diferentes são fato estético e fato histórico, mas na historiografia da LBAP não é raro se deparar, por exemplo, com afirmações que incluem como fatos estéticos a fundação da Academia Piauiense de Letras, sem dúvida um fato apenas histórico, e que atribuem a um suposto diário de guerra de Fidié, também certamente não lido, o condão de texto iniciador da LBAP. Assim, meus caros, não dá... 
___________________________________ 
Fonte: Diário do Povo do Piauí, caderno Galeria, seção Cultura. Teresina, 25 mar 2007, p. 18. 

LITERATURA BRASILEIRA DE AUTORES PIAUIENSES: uma historiografia sem rigor

AIRTON SAMPAIO 

Mantive, durante mais ou menos três anos, inúmeras conversas de trabalho com o poeta Paulo Machado, interrompidas pelos sortilégios que se abateram sobre minha vida, as quais tinham como objetivo a elaboração de um livro didático, com título não definido, que trataria de uma periodização o mais possível rigorosa da Literatura Brasileira de Autores Piauienses (LBAP). Chegamos então, ao cotejar as diversas periodizações já propostas, à solar conclusão de que todas, sem sequer uma exceção, se caracterizam pela falta do rigor metodológico indispensável a uma pesquisa, o que não raro resultou em ultrassubjetivismos arbitrários, permeados por imprecisões decorrentes de desleixos injustificáveis. Com efeito, de João Pinheiro a Luís Romero Lima, passando por Herculano Morais, Francisco Miguel de Moura e Adrião Neto, há, a despeito das inegáveis contribuições oferecidas, desde propostas esdrúxulas até categorias conceituais pessimamente laboradas de que, neste artigo, se darão alguns exemplos. 
É o caso do uso, inadequadamente feito, da categoria vanguarda. Ora, não devia ser novidade para ninguém que esse termo, que vem do francês avant-garde (“postar-se à frente”), não pode ser utilizado para abrigar sob o seu apertadíssimo guarda-chuva qualquer artista, por melhor que ele seja, apenas a talante do gosto do historiógrafo, como se dá com Herculano Morais, Francisco Miguel de Moura e Luís Romero Lima, que chegam ao absurdo de categorizar como vanguardistas autores que nem Fontes Ibiapina, escritor tradicionalíssimo, e José Magalhães da Costa, seguidor estético-temático de Fontes e que de vanguardista também não tem nada, autor que é de uma contística regionalista excessivamente presa a ditos e causos e assim a anos-luz de uma literatura de ruptura estética com a tradição conservadora, que é isso que é, em síntese, uma arte de vanguarda, uma ruptura estética radical com o passado. Aliás, na LBAP o único artista que pode ser chamado de vanguardista, com o devido rigor que a palavra requer, é Torquato Neto, que nas diversas linguagens que praticou (literatura, cinema, jornalismo, etc) o fez sempre de maneira ruptorial e numa perspectiva experimental de radical renovação, o que não se pode dizer nem do genial Mario Faustino que, mesmo aberto às experimentações alheias (vide sua página Poesia-Experiência, no SDJB, 1956-1958), como a dos concretos, aos quais destemidamente apoiou, jungido no entanto ficou, conscientemente, ao verso (o “último verse-maker”, nas palavras de Augusto de Campos) e em geral verso clássico, que expressa uma mundividência oriunda da tradição greco-romana. Assis Brasil? Afora os peculiares romances “Beira Rio, Beira Vida”, “Os Que bebem como os Cães” e “Deus, o Sol, Shakespeare”, que de fato se aproximam de uma atitude de vanguarda porque são, em certa medida, inovadores e ruptoriais, exceto essas três obras as demais de Assis Brasil não devem ser, com a necessária precisão teórica, apodadas de vanguardistas. 
Outro problema assaz presente na historiografia referente à LBAP é a confusão, fácil de ser desfeita mas insistentemente reiterada, que os historiógrafos piauienses difundem entre Geração literária e Grupo literário. Denominam, por exemplo, de Geração Meridiano e Geração Clip o que, na verdade, são Grupos literários: o GRUPO MERIDIANO, formado no âmago da Geração de 1945 (veja-se que o próprio Mario Faustino, que é da Geração de 1945, não integrou o GRUPO MERIDIANO, que contou com O G. Rego de Carvalho, H. Dobal, Vítor Gonçalves Neto, etc), e o GRUPO CLIP, constituído no interior da Geração de 1960 (veja-se que o próprio Torquato Neto, que é da Geração de 1960, muito longe esteve de integrar o GRUPO CLIP, que contou com Francisco Miguel de Moura, Herculano Morais, Hardi Filho, etc). Não há também, nesse sentido, na LBAP, uma Geração Acadêmica ou Áurea, mas a brilhantíssima Geração de 1900, na qual indubitavelmente se sobressaiu o seminal GRUPO ACADÊMICO (Lucídio Freitas, Clodoaldo Freitas, Baurélio Mangabeira, etc). 
Não bastassem essas impropriedades todas , existem ainda os desleixos injustificados, muitas vezes estapafúrdios, entre os quais avulta a nominação errônea não de um escritor qualquer, mas do primeiro grande poeta do Piauí --- LEONARDO DA SENHORA DAS DORES CASTELLO-BRANCO, que ele mesmo ASSIM assina, mas insistentemente grafado, inclusive pela festejada professora-doutora-pesquisadora Teresinha Queirós, como Leonardo de Nossa Senhora das Dores Castelo Branco, um erro talvez cometido em primeiro lugar por João Pinheiro e depois reproduzido por quase todos os que opinaram sobre a obra do autor do magnífico poema “A Creação Universal” sem, provavelmente, a terem sequer lido, já que nem o nome artístico do Poeta escrevem com correção. Ademais, ainda que relacionados e mesmo que o primeiro às vezes possa ser ao segundo igualado, por demais diferentes são fato estético e fato histórico, mas na historiografia da LBAP não é raro se deparar, por exemplo, com afirmações que incluem como fatos estéticos a fundação da Academia Piauiense de Letras, sem dúvida um fato apenas histórico, e que atribuem a um suposto diário de guerra de Fidié, também certamente não lido, o condão de texto iniciador da LBAP. Assim, meus caros, não dá... 
___________________________________ 
Fonte: Diário do Povo do Piauí, caderno Galeria, seção Cultura. Teresina, 25 mar 2007, p. 18. 

LITERATURA BRASILEIRA DE AUTORES PIAUIENSES: a falta que uma crítica militante faz

AIRTON SAMPAIO 

Creio que um dos motivos do desconhecimento e dos muitos equívocos que grassam feito praga sobre a Literatura Brasileira de Autores Piauienses (LBAP) é a quase ausência, ao longo dos duzentos anos de sua história (a completar-se em 2008, quando se atingirá o bicentenário da edição de “Poemas”, de Ovídio Saraiva), de uma crítica literária militante. Sem essa necessária mediação entre o autor, a obra publicada e o leitor não-especializado, a LBAP fica travada, sem maiores questionamentos e sem abalizados e orientadores juízos de valor. 
No Piauí, a crítica literária sempre foi avulsa e aperiódica, incontumaz e não militante. Para piorar a situação, se emprenhou de compadrio, sendo raro o reconhecimento do valor estético da obra de um autor nos textos críticos de alguém a cuja confraria, igreja ou panela o coitado não pertença, o que se dá, infelizmente, até nas formulações do melhor crítico que hoje o Piauí possui, o ensaísta Ranieri Ribas, apesar da sua linguagem empolada e impenetrável. Ademais, sublinhe-se que qualquer crítica, mesmo fundamentada e exclusivamente dirigida à obra, mas que saliente elementos negativos, provoca no criticado uma reação costumeiramente irada, habitus que afasta da militância desse gênero de prosa até os mais preparados para exercê-lo. 
Ponha-se também esse débito de uma crítica literária teoricamente capacitada no passivo do Curso de Letras da Universidade Federal do Piauí, cujo cinqüentenário de instalação no Estado ocorrerá no próximo ano. Ora, chega a estarrecer, ressalvadas as exceções de praxe, que professores de literatura brasileira desse Curso tenham feito e façam dissertações de mestrado e teses de doutoramento sobre autores não-piauienses, muitos com fortunas críticas já avantajadas, num franco descompromisso com a realidade local, a que a Universidade deveria estar umbilicalmente ligada. 
Não se trata de obrigar a quem quer que seja a escrever sobre fatos literários locais, mas é lamentável a inexistência, em Letras da Ufpi, de uma DIRETRIZ BÁSICA de pesquisa que INCENTIVE à OPÇÃO POLÍTICA pela realização de estudos que enfrentem os problemas da realidade piauiense. Do jeito que é, a depender unicamente da vontade pessoal, pode-se dissertar até sobre a cor branca na obra de um, digamos, simbolista catarinense, olvidando-se, talvez por ignorância, a poética de um Jonas da Silva. Frise-se, também com exceções de praxe à parte, que o Mestrado Acadêmico em Letras do CCHL da UFPI parece seguir pela mesma trilha, embora, a exemplo da Uespi, com menos desvios temáticos. 
Um mineiro dedicará tempo e dinheiro público ao estudo de um autor piauiense? Aqui, porém, nos damos o LUXO de gastar dinheiro público e tempo com autores mineiros. Um gaúcho, então, o fará? Ou um carioca? É claro, pelo menos em regra, que não. Enquanto isso estão aí, à espera de abordagens medianamente categorizadas, poetas como Paulo Machado, cronistas como Cineas Santos, contistas como Carlos Castelo Branco, romancistas como Esdras do Nascimento, dramaturgos como Gomes Campos. Com todo esse MANANCIAL, o que justifica dispender energias com o estudo, por exemplo, de um escritor paranaense? Não se trata, como decerto entenderão os contumazes provocadores de equívocos, de miopia analítica ou mero bairrismo, mas da VINCULAÇÃO NECESSÁRIA da Universidade Federal do PIAUÍ à realidade em que está inserida. 
É óbvio que, no dia em que nossos escritores mais significativos estiverem com FORTUNAS CRÍTICAS MINIMAMENTE ASSENTADAS (no caso do nosso magnífico Poeta Ecumênico, contribui agora para isso o recém-editado e excelente ensaio do professor João Kennedy Eugênio, Os Sinais do Tempos: intertextualidade e crítica da civilização em H. Dobal), nesse dia então é claro que podemos serenamente nos dar o luxo de empenhar energia, tempo e dinheiro público no estudo de autores, nem sempre relevantes, de além-Piauí, como por exemplo o antivanguardista atávico Affonso Romano de Sant´Anna, que não alcança, marketing à parte, o valor estético de um cronista e poeta como o oeirense Rogério Newton (a propósito, leiam, de Rogério Newton, “Ruínas da Memória“, 1994, “Pescadores da Tribo”, 2001, “Último Hound”, 2003, e “Conversa Escrita n´Água”, 2006). 
__________________________________________ 
fONTE: Diário do Povo do Piauí, caderno Galeria, seção Cultura. Teresina, 29 maio 2007, p. 18. 

domingo, 18 de novembro de 2012

PÔR DO SOL

Aquele que ali vem não é Jomar, apesar do andar estabanado do Jomar. Esse, que aí vai, é quase um clone do Rudá e seus passos miúdos e ligeiros. Esta que logo se torna uma estranha bem que podia ser Sara, amor da minha longa vida jamais realizado num único beijo sequer, mas não é a Sara, a mais bela das desdenhosas do nosso tempo. Por que o tal médico dela o escolhido? Ainda hoje desatino a razão da extremada sorte dele, que o cu voltado pra lua nunca tive. De longe, se apurar bem a velha vista, vejo Homero, apressado rumo ao jornal onde diariamente não dava trégua aos corruptos, mesmo sempre derrotado. E aquela acolá...

Bem, uma vez por semana me trazem do abrigo de anciãos até aqui e ali, num banco da igreja do Amparo a custo me ajoelham, e rezo. Ele, porém, a súplica há muito não me atende e vou ficando aqui quando todos os que amo e odeio já lá, aquietados, no outro lado do mistério, estão. Que pecado tão capital cometi nessa quase centúria? Não, minhas faltas não têm esse valor, que nunca passaram elas de erros que só a mim prejudicaram, como quando joguei tudo pro ar para correr atrás de um rabo de saia que logo se esvaiu, coisas de que essas doenças que me torturam já são juros mais que suficientes acrescidos ao pagamento que, por uns trinta anos, já efetuo. Então, por que não me atende Ele o pedido? Por que não me pode a Noite sobre mim, enfim, descer? Até meus desaparecidos inimigos, uns dois ou três mais empedernidos, até eles decerto concordariam que fazer cem anos é sacrifício que, como dizem no tempo de agora, ninguém merece...