terça-feira, 2 de novembro de 2010

A LIBERDADE ANDA A CAVALO, MAS ANDA...

Cuba tem se mobilizado no sentido de dinamizar a sua complacente força de trabalho, e o presidente Raul Castro está instituindo as bases para a criação de um mercado de trabalho rudimentar e um setor de pequenos negócios.
Ao instituir leis que regulamentam as demissões, reduzir drasticamente os benefícios aos desempregados e desenvolver o setor de pequenas empresas, o presidente reformista deu os maiores passos até hoje no sentido de modernizar a economia cubana.
“Agora é lei, não há mais como retroceder. Eu creio que essas medidas são positivas e elas me fazem ter esperança de que a reforma tenha começado com força total”, afirmou um economista local, pedindo entretanto que o seu nome não fosse publicado, já que ele não tem permissão para prestar declarações a jornalistas estrangeiros.
“No entanto, a criação de pequenas empresas ocorrerá em um sistema dominado pelo Estado, e acredita-se que o processo será lento e conturbado. Os burocratas desacelerarão esse processo e procurarão receber propinas, há carência de financiamentos e suprimentos no país e as pessoas procurarão alcançar posições econômicas favoráveis à medida que forem se ajustando às novas circunstâncias.
Os trabalhadores autônomos, um termo que é frequentemente um eufemismo para designar os proprietários de pequenas empresas, podem agora alugar pontos comerciais, fazer negócios com o Estado e procurar obter crédito nos bancos, entre outras novidades. Segundo o “Granma”, o jornal do Partido Comunista, as novas liberdades “nos distanciarão daquelas ideias que condenaram o trabalho autônomo à quase extinção e que estigmatizaram aqueles que decidiram seguir esse rumo, legalmente, na década de noventa”.
Entretanto, o número de documentos exigidos e de quotas e impostos mensais continua tornando essa atividade onerosa em um país no qual a maioria das pessoas não possui carro nem telefone. As regulamentações referentes aos tipos de negócios permitidos são também restritivas. O trabalho autônomo, autorizado pela primeira vez em 1994, costumava ser chamado de “concessão temporária ao capitalismo” pelo então presidente Fidel Castro, que limitou o número de licenças e aplicou regulamentações e tributações sobre os autônomos, quase provocando a extinção dessa categoria em Cuba.
A definição de trabalho autônomo cobre quase todas as profissões, incluindo trabalhadores da construção civil, palhaços, babás, barbeiros, esteticistas, motoristas particulares de táxis e caminhões e donos de pequenos negócios como pousadas, restaurantes, pizzarias e oficinas mecânicas.
Christina, uma cabeleireira, diz ter gostado da oportunidade de abrir um salão de beleza para os seus clientes, muitos dos quais são diplomatas e suas mulheres, bem como cubanos em geral que têm mais dinheiro. “Eu já estou planejando alugar um ponto comercial e contratar auxiliares, embora eu tenha certeza de que será necessário muito trabalho e tempo até as coisas começarem a funcionar”, diz ela – que, da mesma forma que os outros entrevistados, pediu que o seu nome completo não fosse divulgado.
Christina diz que teve dificuldade para obter uma cópia das novas regras e regulamentações na semana passada, já que os cubanos correram a adquiri-las assim que elas passaram a ser vendidas nas bancas de jornais.
O objetivo da reforma é legalizar e taxar as pequenas empresas ilegais e criar empregos para os funcionários públicos que deverão ser demitidos à medida que o Estado enxugar a sua enorme folha de pagamentos e abandonar certas atividades secundárias, transferindo-as para a iniciativa privada e as cooperativas e fazendo contratos de prestação de serviços. A primeira rodada de 500 mil demissões ocorrerá em março do ano que vem.
Pedro, um carpinteiro que trabalhou durante anos sem licença, desistiu de tentar obter uma cópia das novas regulamentações. “Eu procurarei saber o que está escrito e depois disso decidirei o que fazer. Contanto que os impostos não sejam muito elevados, eu tirarei uma licença para evitar todos os problemas que tenho enfrentado com a polícia e os inspetores”, explica ele.
O “Granma” advertiu em um artigo recente: “Aqueles que continuarem trabalhando por conta própria sem documentos, ou que não pagarem os impostos exigidos, sentirão o peso da lei que será aplicada pela instituição apropriada, a Agência Nacional de Impostos”.
Pedro diz que ele e outros dois amigos carpinteiros compartilham quatro máquinas que lhes foram enviadas por parentes que estão em Miami. “Quem sabe? Talvez a gente consiga obter um pouco mais de ajuda de lá, e possa assim alugar um lugar e abrir um negócio”, diz ele. O novo código tributário para as pequenas empresas, que foi publicado na semana passada, eleva o imposto sobre as despesas empresariais de 10% para 40%. Ele inclui um novo imposto sobre vendas de 10% e um imposto previdenciário de 25%, bem como um imposto progressivo cujo valor varia de 25% a 50% dos rendimentos.
Mas o mais surpreendente é o novo imposto sobre os pagamentos segundo uma escala que vai de um a “mais de 15 funcionários”, bem como regulamentações referentes à contratação de trabalhadores por fazendeiros particulares. Isso representa uma pequena revolução em um país no qual o artigo 21 da constituição afirma que a propriedade e os instrumentos de trabalho “não podem ser usados para a obtenção de rendimentos derivados da exploração do trabalho de outras pessoas”.
Fonte: UOL, 2 nov. 2010 (grifos inoriginais)

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