Agora que o Psiu, o sistema seriado de ingresso na UFPI, acabou, porque um modelo evidentemente esgotado, não pode nos sobrar, como mecanismo de seleção vestibular, apenas o ENEM.
Não que o ENEM não seja um bom sistema de escolha dos melhores candidatos a uma vaga nas universidades brasileiras que a ele aderiram, como a UFPI. Na verdade, o ENEM representa um avanço pedagógico dos mais expressivos, ao mudar a orientação da decoreba pela filosofia do raciocínio, da reflexão e da resolução de problemas cotidianos, sem dizer de um mais percuciente tratamento dado à prova de redação que o que, localmente, fazíamos. É óbvio que o ENEM precisa de vários ajustes, no que tange, por exemplo, à extensão cansativa dos enunciados e, por conseguinte, das provas, e ao descalabro, incompetência mesmo, da logística, que tanto tem irritado estudantes e professores.
Questões, pois, sanáveis. Algo, porém, é muito mais grave que todos esses desacertos, e diz respeito ao Piauí. É que o ENEM, elaborado no centro-sul do país, decerto fará tábula rasa de aspectos peculiares do nosso estado, como a nossa literatura, a nossa história e a nossa geografia. Se ficarmos somente com os dias de ENEM, uma literatura específica, ainda que inserida na brasileira, uma história própria e uma geografia singular, mesmo que partes da nacional, não serão abordadas por mentalidades radicadas no centro político e econômico do país, o quase sempre discriminatório eixo Rio–São Paulo. Não se trata, no caso, de um bairrismo meloso nem de uma piauiensidade oca, tão mais comuns entre nós após o governo ufanista do PT, mas de uma NECESSIDADE que temos (ainda), como periferia do capitalismo, de sublinhar nossos melhores valores e fatos históricos, geográficos e literários. Isso fica evidente quando não é segredo para ninguém que Da Costa e Silva, por exemplo, apesar de ser um dos maiores poetas simbolistas brasileiros, não tem a dimensão nacional de um Cruz e Souza talvez (sim, talvez) por haver nascido na periferia da periferia do Brasil. E que não se leia isso como a (re)afirmação do nosso eterno e lamentável Complexo de Vira-latas, nós que ficamos todos amuadinhos a quaisquer anedotas sobre o Piauí, às vezes merecidas, mas não hesitamos, em nome de uma super-hospitalidade que, por ser demasiada, beira a subserviência, não vacilamos em estender tapete vermelho a qualquer Jardel (lembram-se dele?) da vida.
Por isso, e por outras razões que o espaço de um artigo não permite elencar, como a sinalização de conteúdos para o nível médio de ensino, por isso é que a UFPI deve sublinhar nossa realidade periférica ao menos com uma prova a mais no Enem, que aqui tomo a liberdade poética de chamar de PROVA PIAUÍ, cujo peso, no cômputo geral do Exame, somente uma análise acurada da Copese pode definir. Eis a PROPOSTA, para o indispensável debate público sobre o tema, a fim de que não o deixemos inteiramente nas mãos dos iluminados do Conselho Universitário da UFPI.
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Airton Sampaio é escritor e professor no Departamento de Letras da UFPI.
Fonte: Diário do Povo do Piauí, Opinião, 24 jan 2011, p. 2.
Um comentário:
Assino embaixo a tese desta Prova Piauí, Maranhão, Pará, acoplada ao exame do ENEM.Valeu, Professor, vc continua lúcido para não dizer lúdico.
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