sexta-feira, 20 de maio de 2011

A PROSA ROMÂNTICO-REALISTA DE CLODOALDO FREITAS EM "OS BANDOLEIROS"*

Éllen Fernanda Vaz dos Santos**
Francisca Marciely Dantas
Geisiane Dias Queiroz
Safira Ravenne da Cunha Rêgo

Clodoaldo Freitas (Oeiras, 7/9/1855, Teresina, 29/6/1924) foi bacharel em Direito (Faculdade de Recife), cronista, poeta, novelista, romancista e tradutor. Segundo Teresinha Queiroz (1994), percorreu ele boa parte do Brasil, com forte atuação na imprensa periódica do Piauí, Maranhão e Pará, tendo sido um dos fundadores da Academia Maranhense de Letras (1908) e da Academia Piauiense de Letras (1917). Publicou diversas obras de ficção, em livros e folhetins, dentre as quais Os bandoleiros.

A novela Os bandoleiros, publicada em 1917, apresenta características que resgatam o estilo de dois períodos literários essencialmente distintos: o Romantismo e o Realismo. Apesar de serem escolas que se consolidaram em épocas diferentes no contexto nacional, nesta obra de Freitas ocorre certo paralelismo entre os dois estilos. Nesse sentido, a obra em questão aborda temas sociais, porém, em alguns momentos, a sua escrita peculiar denuncia marcas românticas. No decorrer de toda a trama novelística tem-se o embate, tanto temático quanto textual, entre aspectos que remetem ao ideal e ao real na tessitura narrativa. Com base nessa afirmação, iniciar-se-á a análise crítica d’Os bandoleiros, discutindo inicialmente traços que caracterizam o realismo.

O seguinte trecho destaca características realistas, pois descreve a feira de maneira objetiva e racional, fazendo-se valer do aspecto crítico. Pode-se ressaltar, inclusive, uma possível semelhança com a descrição que Aluísio Azevedo faz no terceiro capítulo de O cortiço, sugerindo até uma intertextualidade:

"O domingo amanhecera claro, fresco, de sol radiante. O movimento da feira começou cedo. Matutos escanchados no meio de duas grandes sacas de farinha, entravam por todos os lados. Por baixo das mangueiras iam sendo arrumadas as sacas de farinha, penduradas bandas de porco, amontoados rumas de pirarucu e de peixe seco, sacos de cereais, caixões com rapaduras, bancas com bules e xícaras de café [...]. Às nove horas já havia muita gente reunida, na azáfama da luta pelo pão cotidiano e na labuta do pequeno comércio, cada qual gritando e exaltando as bondades e a barateza de sua mercadoria. Mulheres em trajes domingueiros passavam em grupo umas atrás das outras. Os cavalos, amarrados nos troncos das mangueiras ou nas frentes das casas, remoíam tranquilamente as mochilas de milho" (FREITAS, 2009, p. 22).

Pode-se ainda ressaltar o fragmento em que o narrador descreve as chagas sociais da vila: “Na anarquia em que vive o Pará, sem governo e sem lei, a vida naquele recanto ameno seria impossível sem a observância desse princípio moralizador e mantenedor da ordem” (FREITAS, 2009, p. 14). Segundo Massaud Moisés (2008, p. 261), “o romance realista vê esteticamente os problemas sociais”, como também “o drama das personagens resulta, não raro, da educação e de outros fatores sociais e morais” .

Assim, Clodoaldo buscou enfatizar em Os bandoleiros o homem comum, com seus problemas corriqueiros e sociais, apresentando de maneira bem descritiva os aspectos físicos que o qualificam, característica marcante do realismo. Os personagens que compõem os núcleos da trama são reconhecidos por suas atribuições físicas e, na maioria das vezes, têm os seus defeitos deflagrados, como se observa neste perfil:

"[...] D. Noêmia tinha certos defeitos, que mencionou, e que o incompatibilizavam com qualquer mulher.
- Não tolero mulher de peitos de surrão.
- Eu, mulher de pernas finas (FREITAS, 2009, p. 20).

Em alguns momentos do texto se esquece a mulher idealizada e predomina a decadência da figura feminina. A respeito disso, tem-se a história de seu Chico e a mulher que ele diz ter sustentado, personagem que em momento algum recebe um nome, sendo tratada apenas por “mulher”:

"- A senhora não vale 300 mil-réis, quanto mais sua roça [...].
- O senhor morava comigo e tinha obrigação de trabalhar para mim e sustentar-me. Para isto, é que eu lhe dava meu corpo e lhe servia de criada. O senhor me dava alguma coisa por isto?" (FREITAS, 2009, p 29).

No que diz respeito à temática, o autor faz forte críticas ao caráter indiferente do povo às questões políticas, numa observação quase naturalista:

"Riam-se alegres, já esquecidos das próprias amarguras. O caráter do brasileiro é assim. Somos desmemoriados e indiferentes até para a nossa própria desgraça. Iludimos nossas lágrimas com risos. Somos incapazes de grandes comoções morais, de heroísmo, de paixões violentas. Nos momentos mais vivos e solenes, uma gargalhada muda a tragédia em comédia" (FREITAS, 2009, p.60).

A sociedade de Igarapé-Açu, cidadezinha amazônica retratada no livro, é cercada de mazelas sociais e problemas políticos, revelando tipos sociais e vícios, que o autor mostra sem camuflagem.
Outro tema abordado no livro pelo autor é o amor. E, nesse paralelo entre o romântico e o realista, isso ganha notoriedade. Os amores intensos e sem consistência são criticados por meio da instituição do casamento, que na novela é retratado como sendo frágil e vulnerável:

“A desolação das três moças foi indescritível. O Anginho explicava às cunhadas que a causa do abandono delas foi a exigência diária do casamento religioso, e que elas mesmas declaravam que o casamento civil é mancebia” (FREITAS, 2009, p 75).

O Realismo volta-se, no caso, para o comum e trivial, girando em torno do casamento frustrado. A instituição, venerada no Romantismo, torna-se desvalorizada. Observam-se porém, na novela de Clodoaldo Freitas, ecos de Romantismo, como nas descrições feitas a seguir, em que a natureza é exaltada em sua exuberância:

"O luar embaciado tornava a noite muito triste e fria. Chovera torrencialmente à tarde. A lua apareceu num grande lago de nimbos e derramava pela vila adormecida uma branca claridade melancólica" (FREITAS, 2009, p. 15).

Massaud Moisés (2008) afirma que a natureza no romantismo é individualizada e personificada. Tem-se, assim, n’Os bandoleiros:

"[...] o povoado, comprimido dentro da grande mata, não tem horizonte, a não ser para o lado do rio. As matas amazônicas são tristes, despovoadas de pássaros. As arvores seculares, altíssimas e de frondes insignificantes, tomam a poesia do espaço. O silêncio dessas matas, onde não canta um pássaro, é acabrunhador e lúgubre. Nelas não vicejam as flores e trepadeiras silvestres, tão formosas e de cores tão variadas" (FREITAS, 2009, p.46).

Em contraponto à mulher de defeitos realistas, há Sebastiana que o narrador descreve em atitude romântica, aproximando-a das ninfas:

"Sebastiana, que tinha dezessete anos, era realmente formosa. Um pouco baixa, morena, olhos negros belíssimos, dentadura esplêndida, farta cabeleira preta. Era uma mulher de beleza ideal. Seu riso era suave, sua voz fascinadora. Uma simpatia celestial ressumava de seu rosto encantador. A bondade de seu gênio a fazia adorada de quantos a conheciam" (FREITAS, 2009, p.49).

Contrapondo-se à decadência e como consequência do amor percebem-se alguns trechos da novela que remetem ao amor idealizado:

"- Tu me amarás sempre assim? – perguntava a Tacy ao marido, beijando-o sofregamente.
- Sempre assim não, porque pretendo te amar muito mais; porque cada vez mais descubro em ti nova beleza e novas graças.
- Como te amo! – murmurava ela.
- Como te amo! – murmurava o Tosta.
A mesma coisa se passava com os outros casais" (FREITAS, 2009, p. 73).

Outro aspecto observado é a ênfase que Clodoaldo dá à tradição, costumes e linguagem populares. Segundo Lígia Cademartori (1997, p. 41), “com o Romantismo, o tema local ganha proeminência e cabe às descrições darem conta da exuberância da paisagem e da curiosidade e peculiaridade dos costumes do País”. Sendo assim, revelam-se, nos trechos seguintes, referências ligadas à cultura de Igarapé-Açu: brincadeiras, jogos de prendas, sabedoria popular, linguagem:

"Uma voz bradou:
- Vamos às prendas.
- O coito-coutinho?
- A cabra-cega?
- O amigo ou amiga?
- O amigo ou amiga – disse D. Anica.
- Pois vamos" (FREITAS, 2009, p. 17).

"Era a primeira vez que o Dr. Perneta recebia publicamente semelhante reprimenda. Chispando ódios, o juiz tocou o carro para a casa, debaixo de enorme surriada. O Sanico ficou radiante e vitorioso.
- Este rapaz é macho – dizia um.
- É homem – murmurava outro.
- Era o que o Dr. Perneta precisava há muito tempo. Agora ele deixa de tanta valentia.
- Para doido, doido e meio.
O prefeito bravateava. Os elogios caíam sobre ele.
- O Perneta saiu dando azeite às canadas.
- Bem feito, afinal uma pedra lhe bateu à cabeça.
- Bem feito.
- Arre, canalha!" (FREITAS, 2009, p. 23-4).

Leve-se em conta que o período em que o autor escreveu a novela não mais correspondia às estéticas que utilizou, mantendo-se ainda preso ao passado literário brasileiro. E, como visto, Os bandoleiros apresenta características tanto da estética literária realista quanto da romântica.

BIBLIOGRAFIA
CADEMARTORI, Ligia. Períodos literários. São Paulo: Ática, 1997.
FREITAS, Clodoaldo. Os bandoleiros. Pesquisa e organização de Teresinha Queiroz. Apresentação de Eugênio Pacelli Leal Bittencourt. Imperatriz, MA: Ética, 2009.
MOISÉS, Massaud. Introdução à literatura portuguesa. 38. ed. São Paulo: Cultrix, 2008.
QUEIROZ, Teresinha. Os literatos e a República: Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e as tiranias do tempo. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1994.
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*Artigo produzido na disciplina Literatura nacional: autores piauienses, ministrada na Ufpi, em 2011/1, pelo prof. Airton Sampaio.
**Estudantes de Letras na Ufpi.

Um comentário:

EMERSON ARAÚJO disse...

Airton, meu caro, você faz bem em publicar os trabalhos dos alunos de Letras no blog. Precisamos, nós professores mal pagos ou não, continuar incentivando os alunos para a leitura e a produção escrita, marcas de um curso de Letras que quer se modificar. Parabéns!

Abs.

Emerson Araújo de Tuntum - Maranhão.